O que é a militarização? O que é UPP? Para que serve a Unidade de Polícia
Pacificadora? O que está por trás da suposta libertação dos territórios das
mãos do tráfico de drogas? ...Inicialmente, parecem ser perguntas fáceis a
serem respondidas pelos moradores das favelas, os mesmos irão indicar como
finalidade central e censo comum “livrar a favela das mãos do crime
organizado”, mas será essa a razão dessas estruturas policiais?
Para entender o desenvolvimento dessa “política de segurança”, precisamos
tomar ciência de alguns dados importantes. Desde a crise de 2008 o capital
internacional tem tido a necessidade de desenvolver novas fontes de lucro para
manterem seu ciclo acumulativo funcionando em condições de normalidade. Nesse
novo diagrama do capital global, nossa “cidade maravilhosa” se propõe a
competir com as grandes capitais globais, passando por um processo de
transformação física/social amparada pela ordem econômica.
Nesse contexto de novas fontes de lucros, as favelas começam a se
consolidarem como um novo nicho de acumulação de capital. Segundo dados do Instituto
Data Popular, as favelas do Rio de Janeiro movimentam por ano 13 bilhões de
reais. Com um volume de capital envolvido tão grande, a entrada de “ordem” nas
favelas demonstra claramente os interesses econômicos envolvidos por trás da
suposta “paz” nas favelas. É importante ressaltar que essas transformações
abrangem várias ações do cotidiano dos favelados, desde a prática mais simples
até as mais complexas. Uma das características mais comuns dos favelados são as
“festas”, porém, com a entrada das UPPs esse tipo de interação social passa a
ser controlado pelo Estado através da ação policial. Autorizações para festas passam
a ser necessárias, desde eventos mais comerciais como shows e bailes até a
festa mais simples envolvendo familiares...e o mais preocupante, as festas
passam a ser selecionadas, as comemorações tradicionais ficam a margem dando
lugar a inserção de nova cultura, apagando o perfil cultural do lugar.
No arranjo espacial da favela
também notamos transformações intimamente ligadas a ação do capital. Com a
difusão da globalização, todos os espaços possíveis precisam estar
capitalizados e prontos para serem utilizados quando houver a necessidade
(demanda). Dessa forma, serviços antes
presentes apenas em áreas com considerável poder aquisitivo da cidade passam a
adentrar nas favelas e passamos a observar estabelecimentos de todos os tipos
suprindo as necessidades mínimas dos habitantes, e reduzindo a movimentação dos
habitantes das comunidades a áreas circunscritas ao perímetro da favela. Dessa
forma, o capital e o Estado isolam os residentes das favelas em seus guetos
minimizando assim a convivência entre as classes.
Pelo viés social, podemos questionar a ação do aparato repressivo do
Estado, desrespeitando os moradores de favelas e muitas vezes fazendo uso de
dispositivos jurídicos para dar vós de prisão a qualquer um que levante
questionamentos sobre o modo de atuação da polícia. Dessa forma, é feita uma
política de atuação nas favelas que não dialoga com os favelados, e não leva em
conta as pluralidades existentes nas variadas favelas do Rio de Janeiro e que
torna, pela perspectiva da construção da ação de cima para baixo; o Complexo da
Maré igual ao Alemão, igual ao Complexo de Acari, igual a Rocinha e tantas
outras favelas na “cidade maravilhosa”. Ou seja, em uma última análise, a mesma
ação irá servir em todos os espaços marginais que precisam ser “recuperados”
pelo Estado. A convivência entre favelados e policiais historicamente não é das
mais positivas e com o modo de operação atual dos agentes da lei a situação
tende a potencializar as animosidades existentes entre os agentes de polícia e
os favelados.
A atual situação do conjunto de favelas do Complexo da Maré, mostra-se um
exemplo emblemático das ações ministradas pelo Estado para desenvolver os
interesses relacionados ao capital. A utilização do exército no Complexo da
Maré (estrutura de segurança a nível nacional e voltado para a defesa externa
do país) como agente policiador, demonstra a materialização do Estado de
exceção na Maré. A simples ronda dos soldados, fazendo uso de tanques e outros
carros de guerra intimida os residentes e incuti neles o respeito a ordem que
lhes é imposta de fora. Questionamentos se transformam em sinônimos de
desrespeito e passíveis de ações truculentas pelos agentes militares. Revistas
em crianças, utilização de bombas de gás lacrimogêneos em becos e vielas
estreitas, fechamento de acesso a ruas a partir de certo horários, configura-se
na Maré um território experimental da dinâmica do Estado de exceção. Levando em
conta que o Rio de Janeiro é um expoente de nível internacional das incursões
militarizadas, e que “nossos” padrões de operações especiais militares são
exportados, sobretudo “graças” as ações da Polícia Militar do Estado Rio de
Janeiro e da Bope, não será surpresa sermos considerados um dos territórios
onde o controle se dá de maneira mais efetiva.
Por ser uma cidade global e ser sede de grandes eventos internacionais
desde o início da segunda década dos anos 2000, o Rio de Janeiro precisa manter
os espaços marginais sob controle para que a roda do capital possa girar sem percalços.
A partir dessa premissa, a supressão de qualquer tipo de oposição ao status quo
escolhido pelo mercado, torna-se condição sine qua non para que se realize as
previsões mercadológicas dos agentes privados e públicos. Diluídos entre si, o
binômio público e privado atua sobre a perspectiva de que “a cidade é como um
jogo de cartas”. Nessa lógica, as três características das cartas do baralho:
os números, figuras, e naipes, apresentam-se nos planejamentos urbanos de
diferentes formas; os números representam as variadas possibilidades de
interferir no espaço urbano, as figuras são os agentes interventores do espaço urbano
(agentes públicos, agentes privados, população, movimentos sociais) e os naipes
são as regras utilizadas nos embates pela confecção do espaço urbano. Cabe
ressaltar, que nessa dinâmica a preponderância dos entes públicos/privados põe
a margem a participação da população e por deter os conhecimentos das leis
(regras do jogo) fazem suas articulações para potencializar as demandas do
capital, e quando necessário, viola as regras ou molda-as a seu dispor e assim
institui o Estado de exceção. Sendo essas ações em diferentes âmbitos, em forma
de macroescala, mesoescala e microescala.
Em suma, a militarização e a
criação das UPPs são um amplo projeto que visa manter as relações de poder existentes
nas favelas há pelo menos um século, ou seja desde o surgimento das primeiras
favelas do Rio de Janeiro, ainda capital federal. E no diagrama de atuações
embasadas pelo tripé político-econômico-social, observamos claramente as
relações e necessidades para que o capital venha manter seu status quo como
grande ator econômico, máximo dirigente político, e principal regulador social.