sábado, 26 de março de 2016

O retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador

O que faz de uma obra um clássico? Entre as razões, estão o reconhecimento de sua importância pelos pares e a sua capacidade de explicação de um fenômeno continuar válida ao longo do tempo. Essas condições estão presentes na obra de Albert Memmi, escrita na década de 1950, porém, passadas algumas décadas a obra mantém sua aura de atualidade.

Na primeira parte do livro, prefaciado por Jean-Paul Sartre, Memmi expõe o retrato do colonizador, que toma duas possíveis faces: aquele colonizador que recusa a si mesmo pela defesa do colonizado, mas nem por isso elimina a sua condição, e aquele colonizador que aceita a si mesmo e não apresenta as contradições do primeiro, sendo um ser naturalmente defensor da condição colonialista e de todos os males de miséria e de ignorância que ela produz.

Na segunda parte, o autor aborda o retrato do colonizado. Primeiramente, a sua condição é retratada de modo uniforme, ou seja, coletiva e de conotação negativa, utilizando-se da ideologia para a construção e o reforço dessa imagem. Segundo Memmi, “toda ideologia de combate compreende, como parte integrante de si mesma, uma concepção do adversário. Ao aceitar essa ideologia, as classes dominadas confirmam, de certa maneira, o papel que lhes foi atribuído. Isso explica, entre outras coisas, a relativa estabilidade das sociedades; a opressão é, de boa ou má vontade, tolerada pelos próprios oprimidos”.

 Em seguida, o autor explora a situação do colonizado em relação a seus valores, ao seu histórico, à amnésia cultural, a sua condição de carência etc. Para ele, “a sociedade colonizada é uma sociedade enferma em que a dinâmica interna não consegue mais produzir estruturas novas. Seu rosto endurecido pela história não passa de uma máscara, sob a qual ela sufoca e agoniza lentamente. Uma sociedade como essa não pode assimilar os conflitos de gerações, pois não se deixa transformar”.

 Por fim, Memmi expõe duas respostas possíveis desse colonizado: cultivar o amor pelo colonizador e o ódio de si, que o autor acha inapropriado, e aquela que é sua defesa, a revolta. De acordo com ele, “para o colonizado, não há outra saída a não ser a consecução do fim da colonização. E a recusa do colonizado só pode ser absoluta, isto é, não apenas revolta, mas superação da revolta, ou seja, revolução”.

O ponto central da obra é a negação da opressão colonizadora, que deve partir de uma consciência do colonizado de sua condição degradante para que este possa ter sua libertação completa, ou para a reconquista de si mesmo, fugindo de uma condição que desmoraliza, não só materialmente, mas espiritualmente também. Para tal, o colonizado deve não apenas se revoltar, mas, sim, fazer uma revolução.

Diante da contemporaneidade dos fatos, ainda há uma carência de obras em português, mas o livro de Memmi contempla de maneira satisfatória as origens das revoltas. O colonialismo analisado sob a ótica ocidental é abundante. Nesse caso, um ponto a mais de interesse dessa obra são a origem e o histórico do autor. Filósofo e sociólogo, Memmi nasceu na Tunísia, em 1920, ainda sob o domínio francês, e viveu as contradições de ter origem judaica em um mundo mulçumano. Após a independência, também não encontrou espaço na Tunísia liberta, optando por viver na própria França, onde lecionou no Centro Nacional de Pesquisa e na Universidade de Paris (Sorbonne).

Link para download do PDF - O retrato do Colonizado precedido do retrato do colonizador.

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