Patricia Fachin |Tradução:
André Langer
A professora e pesquisadora Olaya
Fernández Guerrero estuda o fenômeno do controle nas sociedades contemporâneas.
A noção de panoptismo, discutida por Foucault há
40 anos, “permite compreender muitas das situações que vivemos atualmente em
nossas sociedades, nas quais, sob o pretexto da segurança global,
intensificaram–se as medidas de vigilância e controle que se aplicam sem
exceção a toda a população e que, às vezes, implicam um corte preocupante das
liberdades civis”, diz a filósofa Olaya Fernández Guerrero na entrevista a
seguir.
Segundo Olaya, as novas tecnologias da informação
e comunicação têm reforçado “essa visibilidade constante e permanente que tem
muito de panóptico”. Nas sociedades atuais, pontua, é possível identificar duas
modalidades de panoptismo. A primeira é baseada na vigilância à qual todos os
cidadãos estão submetidos pelo poder político. A segunda, explica, é mais
“sutil” e aceita pelas pessoas, e “se explicita na pulsão de estar constantemente
conectados às redes sociais, compartilhando fotos e informações sobre o que
estamos fazendo em cada momento. Este tipo de panoptismo acaba sendo muito
poderoso e às vezes acaba gerando nos indivíduos um comportamento viciante e
uma dependência das redes sociais que é preocupante, particularmente entre a
população mais jovem; por essa razão, é urgente desenvolver uma visão crítica
em relação a esse outro panoptismo que está invadindo as nossas vidas”,
defende.
Olaya Fernández Guerrero é
doutora em Filosofia e professora na Universidade de La Rioja, na Espanha
Confira a entrevista.
IHU On–Line – Em que sentido a ideia de
panoptismo, desenvolvida por Foucault , explica as relações de poder, controle
e vigilância nas sociedades atuais? Como essa ideia ajuda a entender o nosso
tempo?
Olaya Fernández Guerrero – A
noção de panoptismo, que aparece nos textos que Foucault escreveu há 40 anos,
permite compreender muitas das situações que vivemos atualmente em nossas
sociedades, nas quais, sob o pretexto da segurança global, intensificaram–se as
medidas de vigilância e controle que se aplicam sem exceção a toda a população
e que, às vezes, implicam um corte preocupante das liberdades civis.
IHU On–Line – Quais diria que são os
exemplos concretos da manifestação do panoptismo nas sociedades atuais?
Olaya Fernández Guerrero –
Atualmente, encontramos muitos elementos que estão estreitamente vinculados ao
olhar vigilante e hierárquico, o que é uma das principais características do
panoptismo. A instalação de câmeras de segurança em espaços públicos, o
controle das comunicações através da internet ou a moda de fazer ‘selfies’ e
compartilhar essas fotografias nas redes sociais são alguns exemplos que
ilustram esse panoptismo contemporâneo.
IHU On–Line – Por que na nossa época o
panoptismo é ainda mais forte e evidente do que na de Foucault?
Olaya Fernández Guerrero – As
causas da ascensão do panoptismo são muito diversas. Entretanto, um dos fatores
que mais contribuíram para essa mudança são as novas tecnologias da informação
e comunicação, que têm uma presença crescente na vida cotidiana dos indivíduos
e que reforçam essa visibilidade constante e permanente que tem muito de
panóptico.
IHU On–Line – Como essa ideia de panoptismo
cria uma nova concepção de sujeito?
Olaya Fernández Guerrero – Os
diversos dispositivos panópticos acabam fazendo parte dos processos de criação
de subjetividades e transformam–se, além disso, em elementos mediadores das
nossas relações sociais e interpessoais. O próprio Foucault já escreveu sobre
esta questão, identificando a sociedade contemporânea como uma sociedade
disciplinar na qual o dispositivo panóptico cumpre um papel muito importante,
uma vez que submete os indivíduos a uma vigilância total e invasiva que acaba
produzindo uma interiorização das normas e uma ampla adaptação aos padrões de
conduta que a sociedade estabelece para regular cada aspecto de nossas vidas.
IHU On–Line – Como a categoria de povo se
relaciona com essa ideia de panoptismo?
Olaya Fernández Guerrero – No
contexto do panoptismo, o povo, ou melhor, a cidadania, perde parte da sua
autonomia e liberdade de ação e transforma–se em uma coletividade administrada
e vigiada, submetida a um regime de visibilidade em que todos, e cada um dos
indivíduos, estão sujeitos à supervisão e são colocados sob suspeita.
IHU On–Line – Como a senhora compreende,
de um lado, a crítica ao panoptismo e, de outro, o uso que as pessoas fazem,
por exemplo, de espaços de vigilância como o Facebook?
Olaya Fernández Guerrero –
Existem pelo menos dois tipos, duas modalidades, de panoptismo: uma delas é o
panoptismo baseado na vigilância e no controle a que estão submetidos todos os
indivíduos pelos poderes políticos, pelas forças de segurança etc., e que é
difícil contornar. Este panoptismo é mais fácil de identificar e muitas pessoas
adotam uma postura crítica em relação a ele. Mas, nas sociedades atuais, surgiu
também outra forma de panoptismo mais sutil, ao qual muitos indivíduos aceitam
(aceitamos) se submeter voluntariamente, e que se explicita na pulsão de estar
constantemente conectados às redes sociais, compartilhando fotos e informações
sobre o que estamos fazendo em cada momento. Este tipo de panoptismo acaba
sendo muito poderoso e às vezes acaba gerando nos indivíduos um comportamento
viciante e uma dependência das redes sociais que é preocupante, particularmente
entre a população mais jovem; por essa razão, é urgente desenvolver uma visão
crítica em relação a esse outro panoptismo que está invadindo as nossas vidas.
IHU On–Line – O que seria uma alternativa
ou uma resistência ao modelo de controle, vigilância e poder advinda da ideia
de panoptismo? Como romper com esse modelo?
Olaya Fernández Guerrero – Para
começar a propor opções de resistência, a primeira coisa a se fazer é
identificar quais são os dispositivos de controle e vigilância aos quais
estamos submetidos, e a partir daí desenvolver uma perspectiva crítica e
refletir sobre as maneiras mais efetivas para contornar aqueles modos de controle
e vigilância que nos pareçam mais negativos. Na minha opinião, o mais adequado
é realizar práticas de resistência de caráter concreto e contextualizado, que
devem ser desenvolvidas no âmbito das atividades cotidianas de cada indivíduo.
IHU On–Line – Quais são os exemplos de
resistência ao panoptismo hoje?
Olaya Fernández Guerrero – Em
relação ao panoptismo ao qual somos submetidos pelos poderes públicos, penso
que é importante continuar a questionar o discurso da segurança global, uma vez
que em muitos casos este é utilizado como justificativa para cortar as
liberdades civis e aplicar modelos de vigilância que são inaceitáveis do ponto
de vista ético. Também é preciso fazer um uso mais responsável das redes
sociais e, desse modo, evitar contribuir para esse panoptismo ‘voluntário’, ao
qual acabamos cedendo cada vez que compartilhamos imagens e informações
pessoais nas redes sociais, e que contribui para essa ‘visibilidade total’ e
nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de constante escrutínio e
sujeição ao olhar alheio
Fonte: IHU- On-line