No decorrer dos últimos anos, ou
melhor nas últimas três décadas em particular, nunca se falou, ou se escreveu
sobre, dando tanta ênfase, a Educação e o Sistema Educacional. A indagação é:
Por que será? – Essa
ênfase tão entusiástica, de modo repetitivo?
Certamente o que podemos evidenciar
é o caráter estratégico a qual a Educação tomou a partir da segunda metade do
século XX, especialmente no cenário das sucessivas revoluções tecnológicas
ocorridas no pós guerras, contexto este que impactou profundamente o mundo do
trabalho e suas relações sociais e produtivas. Além de uma nova configuração
geopolítica, tal qual um profundo impacto, ocorrido no tecido social
mundialmente, sendo mais drástico nos países da periferia do Capital, mas
também propiciando mudanças substanciais na qualidade de vida de milhões de
seres humanos nos países centrais do grande Capital. Portanto o que outrora era
compreendido como exército de reserva (em Marx), hoje são bilhões de miseráveis
que são descartáveis para o capital, haja vista que não são potenciais
consumidores e muito menos contribuem para a ciranda financeira e a sua lógica
especulativa. Já que a luta diária deste imenso contingente de bilhões de
indigentes, reside na sua sobrevivência.
Sim, é nesta conjuntura que a
Educação e o Sistema Educacional, passa a ser compreendido enquanto uma
ferramenta de extrema relevância, pois na esteira do crescimento econômico, na
qualificação de mão-de-obra para o mercado de trabalho na automatização do
setor produtivo e na ótica inclusiva, que a Educação passa a obter status e
ganhar a consigna de que “só a Educação
salva” e é exatamente neste cunho de salvação e de uma certa maneira
“redencionista”[1] o
qual se atribui à Educação, que se esconde um certo obscurantismo e uma tal de meritocracia, expressão essa tão bradada
pelos liberais de plantão.
No entanto, reside sobre esta
dicotomia histórica, onde em um determinado tempo secular a Educação foi vista
e compreendida pelo Estado com um certo desdém e desprezo, principalmente
porque para se forjar mão-de-obra barata e escrava, não se faz necessário o
acesso ao conhecimento e tão pouco à vida. Sobretudo se o mote central tinha
como objetivo primeiro construir uma legião de analfabetos e outros tantos
analfabetos funcionais, para que assim, venha consolidar as relações de poder
por parte do Estado burguês. Haja vista que, se não há o conhecimento sobre o
próprio e muito menos do contexto histórico a qual encontra-se inserido, jamais
será o protagonista sobre si mesmo.
Contudo se no decorrer de séculos a
Educação foi vista pelo Estado como desnecessária, pois sob a lógica da
monocultura (cana-de-açúcar) e da mão-de-obra escrava, que se imperou no Brasil
durante o Período Colonial; tal qual o modesto processo de industrialização
tardio, promovido por Getúlio Vargas, sob a batuta do nacional
desenvolvimentismo. Portanto é dentro deste cenário que urge por parte do
Estado a implementação de políticas, que promova mesmo que tardiamente a
universalização do ensino, visando assim superar o déficit educacional a qual o
país encontra-se mergulhado.
É isso mesmo?! Temos a certeza de que só a Educação salva?
É isso mesmo?! Temos a certeza de que só a Educação salva?
Sim de fato temos a plena
consciência da importância da Educação para o pleno desenvolvimento humano, na
formação e na construção do sujeito, assim como no seu processo de formação
cognitiva e motora. No entanto, temos profundas divergências ao caráter e cunho
salvador redencionista o qual vem se
atribuindo à Educação, como se fosse possível ela, a Educação por si só capaz
de suprir todas as necessidades básicas e elementares para se obter uma vida
plena e digna.
Ora vejamos, não é de hoje que
estudos no campo da neurociência apontam a relevância de uma boa alimentação,
onde se faça presente no cardápio das crianças e adolescentes, um conjunto de
nutrientes, vitaminas e proteínas que são essenciais para o bom desempenho
educacional, e concomitantemente a ausência destes ingredientes e alimentos nas
refeições diárias de milhões de crianças e adolescentes pode acarretar danos e
sequelas irreversíveis, impactando diretamente a qualidade de vida e o
desenvolvimento humano, entre heranças que podem ser herdadas por uma
alimentação deficitária encontra-se: inanição, anemia, raquitismo, entre tantas
outras.
O relatório “Síntese de Indicadores
Sociais – Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira 2018”. Que
é elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), traz
dados significativos relacionados às crianças brasileiras. O estudo aponta que
18,2 milhões de crianças de 0 a 14 anos vivem em situação de pobreza no país.
Isso representa 43,4% de todas as crianças nesta faixa etária; já a faixa
etária que engloba dos 15 aos 29 anos, 30,1% da população encontra-se na
pobreza. Considerando uma estimativa mais abrangente que vise a totalidade da
população brasileira, em torno de 54,8 milhões de brasileiros viviam em
situação de pobreza em 2017, isto é, com menos de R$ 406,00 mensais para
sobreviver, números estes que representa ¼ da
população do país.
Estes dados somados a porcentagem de
que 57% das mães que criam filhos sozinhas vivem sob a égide da pobreza e da
miséria, perfaz um quadro sombrio da realidade brasileira. Alinhado a estes
dados que remonta o quadro caótico e desumano de milhões de vidas que vão sendo
ceifadas e destituídas diariamente, encontram-se outros indicadores sociais que
também são fundamentais e compõem as necessidades básicas e fazem parte da
dignidade humana.
Neste cenário somente no estado de
São Paulo 77,2 mil crianças encontram-se em situação de vulnerabilidade social,
digo crianças e jovens que vivem em situação de abusos diversos, negligência e
exploração. Para sermos mais precisos são 77.290 crianças e jovens que
vivenciam a precarização da vida em seu extremo, faremos aqui um pequeno
recorte, estes dados se referem tão somente a São Paulo capital e em especial
aos bairros e regiões que se situam no centro do Capital e nos bairros mais
próximos.[2]
Não obstante a esta crueldade,
destaca-se os números apresentados pelo IBGE que revelou no início do mês de
novembro (2019) que 13,5 milhões de brasileiros ou 6,5% da população vivem com
menos de US$1,9 diários, que pela cotação atual está girando em torno de menos
de R$ 8,00 por dia, enquanto 52,5 milhões têm como renda diária o equivalente
US$5,5 , renda esta que espelha com fidelidade as mazelas a qual a sociedade
está inserida. Outro espectro desta realidade hedionda encontra-se presente no
relatório – “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil (2019)”, apresentado
pela Fundação Abrinq, que aponta a estarrecedora estatística onde 47,8% das
crianças brasileiras vivem na pobreza e têm nas escolas ao longo de seu ano
letivo, a única refeição do dia, sendo assim o período de férias escolares
torna-se algo aterrorizante, pois haverá poucas ou quase nenhuma alternativa
perante à fome que é crônica e sistêmica e reside na instituição escolar a
única refeição do dia.
Podemos agregar outros dados que
certamente são significativos e compõem o quadro de invisibilidade a qual
milhões de seres humanos no Brasil encontram-se submetidos, onde necessidades
básicas e elementares à dignidade humana são restritos a poucos. O painel
Saneamento Brasil, divulgado pelo Instituto Trata Brasil, reflete o retrato do
abandono e da descartabilização do grande contingente de miseráveis, produzidos
pelo Capital. Segundo os dados apresentados, 100 milhões de brasileiros não têm
coleta de esgoto e apenas 44,2% dos esgotos no país são tratados. Além de 35
milhões de brasileiros não têm acesso à água potável. Condições estas, que são
fundamentais para a propagação de doenças como: verminoses, hepatite-A,
diarreias, leptospirose e esquistossomose. Doenças estas que revelam áreas onde
a infraestrutura é inexistente ou precária.
Em todo caso, a indagação persiste –
Será mesmo que só a Educação salva? O cuidado que devemos ter, com certos
discursos
Sim de fato ¼ da população
brasileira vive com 420 reais mensais, em números gerais estamos falando de uma
população estimada em 55 milhões de habitantes aproximadamente. Este dado se
encontra o documento - “Síntese dos Indicadores Sociais 2019”, divulgado pelo
IBGE. Este mesmo relatório acrescenta que esta pobreza tem uma pigmentação de
pele definida, pois ela atinge principalmente a população preta e parda, que
representa 72,71% dos pobres, em torno de 38,1 milhões de seres humanos, em
especial as mulheres pretas e pardas que são 27,2 milhões de seres humanos que
se encontram abaixo da linha da miséria.
É irrefutável que a
ausência de Políticas Públicas
implica na qualidade de vida e na dignidade humana, sim não podemos negar que a
precarização da vida em suas múltiplas variantes torna o cotidiano insuportável
e reflete diretamente no processo de aprendizado.
Outro aspecto significativo e que
estamos chamando atenção, reside nas Políticas de Segurança Pública focadas no
terrorismo de Estado, ceifando a vida de milhares de
pessoas, especialmente da população, negra, pobre e favelada. Esta
política torna-se mais contundente nas periferias, principalmente nos morros,
vielas, becos e favelas das grandes metrópoles brasileiras. Políticas estas que
compõem um sistemático genocídio do imenso contingente de seres humanos que são
descartáveis pelo grande Capital.
Somente neste ano de 2019, no Rio de
Janeiro em especial a polícia matou 1546 seres humanos, que tiveram suas vidas
ceifadas pela lógica do aparato repressivo de Estado. Portanto estamos falando
sobre uma máquina de morte e que tem como mote central triturar vidas humanas.
Fica aqui, evidenciado que esta política é parte de um projeto de eliminações
sumárias de um grande contingente populacional que se encontra à margem do
sistema. Este número foi apresentado pelo ISP (Instituto de Segurança Pública).
Não obstante a este dado estarrecedor, encontra-se mais de 20 crianças e
adolescentes mortos, fruto de operações policialescas nas favelas, morros e periferias.
Ou seja, vidas e sonhos que foram interrompidos brutalmente.
A cultura de terror e ódio que é
promovida pelo Estado terrorista, produz sequelas e heranças terríveis em
milhares de crianças e adolescentes. Não é por acaso que estas crianças e
adolescentes tenham herdado uma série de traumas e transtornos psíquicos, como:
síndrome do pânico, transtorno de ansiedade, espasmos, estado depressivo,
fragilidade emocional, entre tantas outras motivações que implicam no processo
de aprendizagem de crianças e adolescentes em idade escolar. Que, adicionado a
um projeto político-pedagógico arcaico e que tem como foco o ensino, de modo
duro enrijecido no tempo e espaço, torna o ambiente escolar um ambiente pouco
atrativo e acolhedor.
Por fim, fica aqui evidenciado ao
conjunto de leitores deste texto, que o caráter redentor e salvacionista que
tenta atribuir à Educação, não passa de uma falácia. Tendo em vista que, a
Educação por si só não supre todas as necessidades básicas e elementares para
uma vida digna e saudável. Entretanto o caráter redentor e salvacionista, que é
desenhado pelos órgãos estatais e pela mídia burguesa, também é alimentado por
instituições e entidades do terceiro setor. Contudo este discurso, se torna
perigoso como hediondo, já que minimiza outros aspectos que certamente são
significativos como essenciais para o processo de aprendizagem, assim como para
o desenvolvimento cognitivo e motor.
Portanto não tenho dúvidas que as
políticas de desenvolvimento humano geram um impacto preponderante na qualidade
de vida de milhões de crianças e jovens, que se encontram mergulhados numa
realidade desumana. E que certamente são premissas importantes no grande
contingente de crianças, jovens e adolescentes que evadem os estudos em idade
escolar. Por fim, é aí que reside o perigo, que estas instituições, seja de
modo proposital e perverso como é o caso – órgãos de Estado e mídia burguesa –
ou seja, através de uma crença em demasiado de políticas paliativas que visem
minimizar a miséria – como as organizações do terceiro setor.
É neste contexto que estas
organizações e instituições se apropriam de exemplos isolados com o único
intuito e propósito de justificar o injustificável, que é a naturalização da
miséria e da dor humana. Neste sentido a louvação por situações pontuais e
esporádicas com em determinados casos onde ocorreu um êxito específico; é
tratado com todo esplendor e pompas, gerando assim a famigerada meritocracia.
Esta política, tal qual o seu discurso é tão tosco, quanto fascista e devemos
estar atentos ao seu caráter doentio e maléfico para a vida de milhares de
crianças e jovens.
José Roberto Magalhães - Pedagogo (UERJ)
Educador Popular, estudioso e pesquisador em Educação
[1] No sentido de redenção.
[2]
Este estudo compõe o
relatório – “A criança na vulnerabilidade, retrato nas infâncias na cidade de
São Paulo” – elaborado pela Visão Mundial.
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