segunda-feira, 27 de abril de 2015

A urbanidade e os indígenas

Qual a relação existente entre a urbanidade e os indígenas?... Um índio da Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, expõe suas percepções de mundo a partir de uma análise capitalista/colonialista onde questiona o conceito de urbanidade e seus reflexos na sociedade, assim como a exclusão da única matriz étnica brasileira nativa da vivência no cotidiano da urbe.

  

sexta-feira, 17 de abril de 2015

A América Latina na dinãmica da guerra global



Por Jorge Beinstein 
Tudo ao mesmo tempo: em meados do mês de Março de 2015 os Estados Unidos deram um salto qualitativo de claro perfil belicista nas suas acções contra a Venezuela, também desenvolvem exercícios militares em países limítrofes com a Rússia na chamada operação “Atlantic Resolve”, algumas dessas operações são realizadas a uns 100 quilómetros de São Petersburgo [1] , além disso intensificam-se informações acerca de uma nova ofensiva do governo de Kiev contra a região do Donbass [2] , aumenta a circulação de naves de guerra da NATO no Mar Negro, continuam as velhas guerras imperiais no Iraque e no Afeganistão às quais acrescentou-se a seguir a ofensiva contra a Síria (passando pela Líbia)… e muito mais…
Evidentemente o Império está lançado numa catastrófica fuga militar para a frente estendendo suas operações a todos os continentes, encontramo-nos em plena guerra global. Nem os grandes meios de comunicação, nem os dirigentes internacionais mais importantes registaram publicamente o facto, todos falam como se vivêssemos em tempos de paz, só em alguns poucos casos surgem alguns deles a advertir sobre o perigo de guerra mundial ou regional. Uma excepção recente é a do Papa Francisco quando afirmou que actualmente nos encontramos perante “uma terceira guerra mundial” que ele descreve como a desenvolver-se “por partes” ainda que sem designar os contendores e fazendo vagas referências à “cobiça” e a “interesses espúrios” com a linguagem confusa e jesuítica que o caracteriza [3] .
A cada mês acrescenta-se algum novo indiciar que anuncia a proximidade de uma nova recessão global muito mais forte e extensa que a de 2009. O capitalismo, a começar pelo seu polo imperialista, foi-se convertendo velozmente num sistema de saqueio onde a reprodução das forças produtivas fica completamente subordinada à lógica do parasitismo. As elites imperiais e suas lumpen-burguesias satélites “necessitam” super-explorar até ao extermínio seus recursos naturais e mercados periféricos para sustentar as taxas de lucro do seu decadente sistema produtivo-financeiro.
As tendências globais rumo à decadência económica exprimem-se de múltiplas maneiras no dia a dia. Dentre elas, a volatilidade dos preços das matérias-primas, o petróleo por exemplo, chave mestra da economia mundial, cujo estancamento extractivo (que não conseguiu ser superado pelo show mediático em torno do “milagroso” petróleo de xisto) combina-se com desacelerações da procura internacional como ocorre actualmente. A isso somam-se golpes especulativos e geopolíticos que convertem os mercados em espaços instáveis onde as manobras de curto prazo impõem a incerteza.
O curto-prazismo especulativo hegemónico engendra pacotes tecnológicos depredadores como a mineração a céu aberto, a fracturação hidráulica ou a agricultura com base em transgénicos acompanhados por operações políticas e comunicacionais que degradam, desarticulam sistemas sociais procurando convertê-los em espaços indefesos diante dos saqueios.
O optimismo económico da época do auge neoliberal deu lugar ao pessimismo do “estancamento secular” agora apregoado pelos grandes peritos do sistema [4] . Eles indicam que a salvação do capitalismo não chegará a partir da economia condenada a sofrer recessões ou crescimentos insignificantes, o melhor é nem falar demasiado desses tristes temas. Então a guerra ascende ao primeiro plano, algum massacre protagonizado por tropas regulares ou mercenários, algum bombardeio, alguma ameaça de ataque na Europa do Leste, Ásia, África ou América Latina. Os meios de comunicação nos esmagam com essa notícias, contudo ninguém fala da guerra global.
Tudo acontece como se a dinâmica da guerra se houvesse autonomizado mas empregado um discurso embrulhado, difícil de entender. Mas assim como os super-poderes dos homens de negócios dos anos 1990 não eram independentes e sim compartilhados no interior de uma complexa trama de poderes (políticos, mediáticos, militares, etc) que em termos gerais costuma-se denominar como “classe dominante”, também a aparente autonomia do militar dificulta-nos ver as redes mafiosas de interesses onde se borram as fronteiras entre os seus componentes. As elites da era neoliberal sofreram mudanças decisivas, experimentaram mutações que as converteram em classes completamente degeneradas que, cada vez mais, só podem recorrer à força bruta, à lógica da guerra. Não se trata portanto de a componente militar se autonomizar e sim, antes, de que as elites imperialistas se militarizam. Elas já não seduzem com ofertas de consumo mais algumas doses de violência, agora só propagam o medo, ameaçam com as suas armas ou utilizam-nas.
Progressismos latino-americanos
Dentro desse contexto global devemos avaliar os progressismos latino-americanos [5] que se instalaram na base das crises de governabilidade dos regimes neoliberais.
Os bons preços internacionais das matérias-primas durante a década passada, somados a políticas de contenção social dos pobres, permitiram-lhes recompor a governabilidade dos sistemas existentes. Em alguns desses casos desenvolveram-se ampliações ou renovações das elites capitalistas e em quase todos eles prosperaram as classes médias. Os governos progressistas iludiram-se supondo que as melhorias económicas lhes permitiram ganhar politicamente os referidos sectores mas, como era previsível, ocorreu o contrário: as camadas médias iam para a direita e, enquanto ascendiam, olhavam com desprezo os de baixo e assumiam como próprios os delírios mais reaccionários das suas burguesias. A explicação é simples, na medida em que são preservados (e ainda fortalecidos) os fundamentos do sistema e em que seus núcleos decisivos radicalizam seus elitismo depredador seguindo a rota traçada pelos Estados Unidos (e “Ocidente” em geral) produz-se um encadeamento de subculturas neo-fascistas que vão desde acima até abaixo, desde o centro até as burguesias periféricas e desde estas até suas camadas médias. Na Venezuela, Brasil ou Argentina as classes médias melhoravam seu nível de vida e ao mesmo tempo despejavam seus votos nos candidatos da direita velha ou renovada.
Estabeleceu-se um conflito interminável entre governos progressistas que tornavam governáveis os capitalismos locais e direitas selvagens ansiosas por realizar grandes roubos e esmagar os pobres. O progressismo, confrontado politicamente com essa direita qualificada de “irresponsável”, cujos fundamentos económicos respeitava, chantageava aqueles na esquerda que criticavam sua submissão às regras do jogo do capitalismo utilizando o papão reaccionário (“nós ou a besta”), acusando-os de fazerem o jogo da direita. Na realidade o progressismo é um grande jogo favorável ao sistema e em última análise à direita, sempre em condições de retornar ao governo graças à moderação, à “astúcia” aparentemente estúpida dos progressistas que por vezes conseguem cooptar esquerdas claudicantes cuja obsessão em “não fazer o jogo da direita” (e simultaneamente integrar-se no sistema) é completamente funcional à reprodução do país burguês e em consequência a essa detestável direita.
Agora o jogo começa a esgotar-se. Os progressismos governantes, com diferentes ritmos e variados discursos, acossados pelo arrefecimento económico global e pelo crescente intervencionismo dos Estados Unidos, vão perdendo espaço político. Em vários casos suas dificuldades fiscais pressionam-nos a ajustar despesas públicas (e de modo algum a reduzir os super lucros dos grupos económicos mais concentrados), a aceitar as devastações da mega-mineração ou a adoptar medidas que facilitam a concentração de rendimentos. No Brasil, o segundo governo Dilma colocou um neoliberal puro e duro no comando da política económica, encurralado por uma direita ascendente, uma economia oscilando entre o estancamento e a recessão e uma intervenção norte-americana cada vez mais activa. No Uruguai o novo governo de Tabaré Vazquez mostra um rosto claramente conservador e no Chile a presidência Bachelet não precisa correr demasiado à direita, depois da sua rosada demagogia eleitoral afirma-se como continuidade do governo anterior e em consequência, passada a confusão inicial, herdará também a hostilidade de importantes faixas de esquerda e dos movimentos sociais.
Na Argentina, o núcleo duro agro-mineral exportador-financeiro e os grupos industriais exportadores mais concentrados estão mais prósperos do nunca enquanto a ingerência norte-americana amplia-se conduzindo o jogo de títeres políticos rumo a uma ruptura ultra-direitista. Na Venezuela a eterna transição rumo a um socialismo que nunca acaba de chegar não conseguiu superar o capitalismo ainda que torne caótico o seu funcionamento, forjando desse modo o cenário de uma grande tragédia. Por enquanto só a Bolívia parece salvar-se da avalanche, afirmando-se na maior mutação social da sua história moderna sem superar o âmbito do subdesenvolvimento capitalista mas recompondo-o integrando as massas submersas, multiplicando por mil o que havia feito o peronismo na Argentina entre 1945 e 1955 (de qualquer forma isso não a liberta da mudança de contexto regional-global).
Na América Latina assistimos a um processo de crise muito profundo onde convergem progressismos declinantes com neoliberalismo integralmente degradados, como na Colômbia ou no México, conformando um panorama comum de perda de legitimidade do poder político, avanços de grupos económicos saqueadores e activismo imperialista cada vez mais forte.
A este panorama sombrio é necessário incorporar elementos que dão esperança, sem os quais não poderíamos começar a entender o que está a ocorrer. Por debaixo dos truques políticos, dos negócios rápidos e das histerias fascistas aparecem os protestos populares multitudinários, a persistência de esquerdas não cooptadas pelo sistema (para além dos seus perfis mais ou menos moderados ou radicais), a presença de insurgências incipientes ou poderosas (como na Colômbia).
Nem os cantos de sereia progressistas nem a repressão neoliberal puderam fazer desaparecer ou marginalizar completamente esses fantasmas. Realidade latino-americana que preocupa os estrategas do Império, que temem o que consideram como sua inevitável arremetida contra a região possa desencadear o inferno da insurgência continental. Nesse caso o paraíso dos grandes negócios poderia converter-se num grande atoleiro onde afundaria o conjunto do sistema.
Geopolítica do Império, integrações e colonizações
A estratégia dos Estados Unidos aparece articulada em torno de três grandes eixos; o transatlântico e o transpacífico que apontam num gigantesco jogo de pinças contra a convergência russo-chinesa centro motor da integração euro-asiática. E a seguir o eixo latino-americano destinado à recolonização da região.
Os Estados Unidos tentam converter a massa continental asiática e sua ampliação russo-europeia num espaço desarticulado, com grandes zonas caóticas, objecto de saqueio e super-exploração.
Os recursos naturais, assim como os laborais, desses territórios constituem seu centro de atenção principal, na elipse estratégica que cobre o Golfo Pérsico e a Bacia do Mar Cáspio estendendo-se em direcção à Rússia encontram-se 80% da reservas globais de gás e 60% das de petróleo e na China habitam pouco mais de 230 milhões de operários industriais (aproximadamente um terço do total mundial).
A América Latina aparece como o pátio traseiro a recolonizar. Ali se encontram, por exemplo, as reservas petrolíferas da Venezuela (as primeira do mundo, 20% do total global), cerca de 80% das reservas mundiais de lítio (num triângulo territorial compreendido pelo Norte do Chile e Argentina e pelo Sul da Bolívia) imprescindível na futura indústria do automóvel eléctrico, as reservas de gás e petróleo de xisto do Sul argentino, fabulosas reservas de água doce do aquífero guarani entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina.
Uma das ofensivas fortes do Império na década passada foi a tentativa de constituição da ALCA, zona de livre comércio e investimentos que significava a anexação económica da região por parte dos Estados Unidos. O projecto fracassou, a ascensão do progressismo latino-americano somado à emergência de potências não ocidentais, sobretudo a China, e o atolamento estado-unidense na sua guerra asiáticas foram factores decisivos que em diferentes medidas debilitaram a investida imperial.
Mas a partir da chegada de Obama à presidência os Estados Unidos desencadearam uma ofensiva flexível de reconquista da América Latina: foi posta em marcha uma complexa mescla de pressões, negociações, desestabilizações e golpes de estado. Os golpes brandos com êxito em Honduras e no Paraguai, as tentativas de desestabilização no Equador, Argentina, Brasil e sobretudo na Venezuela (onde vai-se perfilando uma intervenção militar), mas também a tentativa em curso de extinção negociada da guerrilha colombiana e a domesticação de Cuba fazem parte dessa estratégia de recolonização.
A mesma é implementada através de uma sucessão de tentativas suaves e duras tendente a desarticular as resistências estatais e os processos de integração regional (Unasul, Celac, Alba) e extra-regionais periféricos (BRICS, acordos com a China e a Rússia, etc) assim como a bloquear, corromper ou dissolver as resistências sociais e as alternativas políticas mais avançadas, em curso ou potenciais. Tentando levar avante uma dinâmica de desarticulação mas procurando evitar que a mesma gere rebeliões que se propaguem como um rastilho de pólvora numa região actualmente muito inter-relacionada.
Sabem muito bem que em muitos países da região a substituição de governos “progressistas” por outros abertamente pró imperialistas significa a ascensão de camarilhas enlouquecidas que a curto prazo causariam situações de caos que poderiam desencadear insurgências perigosas. Alguns estrategas do Império acreditam poder neutralizar esse perigo com o próprio caos, desenvolvendo “guerras de quarta geração” instalando diferentes formas de violência social desestruturante combinadas com destruições mediático-culturais e repressões selectivas. Nesse sentido, o modelo mexicano é para eles (por agora) um paradigma interessante.
Temem por exemplo que um cenário de caos fascista na Venezuela derive numa guerra popular que os obrigaria a intervir directamente num conflito prolongado, o que somado às suas guerras asiáticas os conduziria a uma super extensão estratégica ingovernável. É por isso que consideram imprescindível obter o apaziguamento da guerrilha colombiana, potencial aliada estratégica de uma possível resistência popular venezuelana.
O panorama é completado com o processo de integração colonial dos países da chamada Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile). A isso somam-se os tratados de livre comércio de maneira individual com países da América Central e outros como o Chile e a Colômbia e o velho tratado entre EUA, Canadá e México.
Integração colonial e desarticulação, manipulação do caos e fortalecimento de pólos repressivos, Capriles mais Peña Nieto, Ollanta Humana mais Santos mais bandos narco-mafiosos… tudo isso dentro de um contexto global de decadência sistémica onde a velha ordem unipolar declina sem ser substituída por uma nova ordem multipolar. Tentativa de controle imperialista da América Latina submersa na desordem do capitalismo mundial.
O cérebro do Império não consegue superar as mazelas do seu corpo envelhecido e enfermo, os delírios reproduzem-se, as fugas para a frente multiplicam-se. Evidentemente encontramo-nos num momento histórico decisivo.
Notas
[1] Finian Cunningham, “NATO’s Shadow of Nazi Operation Barbarossa”, Strategic Culture Foundation, 13/03/2015
[2] Colonel Cassad, “Ukraine: Reprise de la guerre au printemps?”, http://lesakerfrancophone.net/ le 13 mars 2015
[3] “El papa Francisco advirtió que vivimos una tercera guerra mundial combatida ‘por partes’ “, http://www.lanacion.com.ar , 13 de septiembre de 2014
[4] Laurence H Summers, “Reflections on the ‘New Secular Stagnation Hypothesis'” y Robert J Gordon, “The turtle’s progress: Secular stagnation meets the headwinds” en “Secular Stagnation: Facts, Causes, and Cures”, CEPR Press, 2014.
[5] Utilizo o termo “progressista” no sentido mais amplo, desde governos que se proclamam socialistas ou pró socialistas como na Venezuela ou Bolívia até outros de corte neoliberal-progressista como os do Uruguai ou Brasil.

Texto original: Controvérsia

quinta-feira, 16 de abril de 2015

O império do consumo

Esta ditadura da uniformização obrigatória impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.


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Por Eduardo Galeano
A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.
O sistema fala em nome de todos, dirige a todos as suas ordens imperiosas de consumo, difunde entre todos a febre compradora; mas sem remédio: para quase todos esta aventura começa e termina no écran do televisor. A maioria, que se endivida para ter coisas, termina por ter nada mais que dívidas para pagar dívidas as quais geram novas dívidas, e acaba a consumir fantasias que por vezes materializa delinquindo.
Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas para que outro mundo vamos mudar-nos?
A explosão do consumo no mundo atual faz mais ruído do que todas as guerras e provoca mais alvoroço do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco: quem bebe por conta, emborracha-se o dobro. O carrossel aturde e confunde o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo soa muito, tal como o tambor, porque está vazia. E na hora da verdade, quando o estrépito cessa e acaba a festa, o borracho acorda, só, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos partidos que deve pagar.
A expansão da procura choca com as fronteiras que lhe impõe o mesmo sistema que a gera. O sistema necessita de mercados cada vez mais abertos e mais amplos, como os pulmões necessitam o ar, e ao mesmo tempo necessitam que andem pelo chão, como acontece, os preços das matérias-primas e da força humana de trabalho.
O direito ao desperdício, privilégio de poucos, diz ser a liberdade de todos. Diz-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa dormir as flores, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores são submetidas a luz contínua, para que cresçam mais depressa. Nas fábricas de ovos, as galinhas também estão proibidas de ter a noite. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem a metade dos sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas que se vendem legalmente no mundo, e mais da metade das drogas proibidas que se vendem ilegalmente, o que não é pouca coisa se se considerar que os EUA têm apenas cinco por cento da população mundial.
“Gente infeliz os que vivem a comparar-se”, lamenta uma mulher no bairro do Buceo, em Montevideo. A dor de já não ser, que outrora cantou o tango, abriu passagem à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. “Quando não tens nada, pensas que não vales nada”, diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, de Buenos Aires. E outro comprova, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: “Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas e vivem suando em bicas para pagar as prestações”.
Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade e a uniformidade manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.
O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde a quantidade com a qualidade, confunde a gordura com a boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a “obesidade severa” aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou uns 40% nos últimos 16 anos, segundo a investigação recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado.
O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar só sai do automóvel par trabalhar e para ver televisão. Sentado perante o pequeno écran, passa quatro horas diárias a devorar comida de plástico.
Triunfa o lixo disfarçado de comida: esta indústria está a conquistar os paladares do mundo e a deixar em farrapos as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que veem de longe, têm, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade, são um patrimônio coletivo que de algum modo está nos fogões de todos e não só na mesa dos ricos.
Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão a ser espezinhadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald’s, Burger King e outras fábricas, viola com êxito o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.
O campeonato mundial de futebol de 98 confirmou-nos, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola brinda eterna juventude e o menu do MacDonald’s não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército de McDonald’s dispara hambúrgueres às bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O arco duplo desse M serviu de estandarte durante a recente conquista dos países do Leste da Europa. As filas diante do McDonald’s de Moscou, inaugurado em 1990 com fanfarras, simbolizaram a vitória do ocidente com tanta eloquência quanto o desmoronamento do Muro de Berlim.
Um sinal dos tempos: esta empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. A McDonald’s viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama a Macfamília, tentaram sindicalizar-se num restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas em 1998, outros empregados da McDonald’s, numa pequena cidade próxima a Vancouver, alcançaram essa conquista, digna do Livro Guinness.
As massas consumidoras recebem ordens num idioma universal: a publicidade conseguiu o que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que o televisor transmite. No último quarto de século, os gastos em publicidade duplicaram no mundo. Graças a ela, as crianças pobres tomam cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite, e o tempo de lazer vai-se tornando tempo de consumo obrigatório.
Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisor e o televisor tem a palavra. Comprados a prazo, esse animalejo prova a vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as virtudes dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos inteiram-se das vantajosas taxas de juros que este ou aquele banco oferece.
Os peritos sabem converter as mercadorias em conjuntos mágicos contra a solidão. As coisas têm atributos humanos: acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o automóvel é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.
As angústias enchem-se atulhando-se de coisas, ou sonhando fazê-lo. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas te escolhem e te salvam do anonimato multitudinário.
A publicidade não informa acerca do produto que vende, ou raras vezes o faz. Isso é o que menos importa. A sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias: Em quem o senhor quer converter-se comprando esta loção de fazer a barba? O criminólogo Anthony Platt observou que os delitos da rua não são apenas fruto da pobreza extrema. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social do êxito, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Sempre ouvi dizer que o dinheiro não produz a felicidade, mas qualquer espectador pobre de TV tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro produz algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.
Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX pôs fim a sete mil anos de vida humana centrada na agricultura desde que apareceram as primeiras culturas, em fins do paleolítico. A população mundial urbaniza-se, os camponeses fazem-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação, e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em toda parte, mas por experiência sabem que atende nas grandes urbes.
As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os que esperam veem passar a vida e morrem a bocejar; nas cidades, a vida ocorre, e chama. Apinhados em tugúrios [casebres], a primeira coisa que descobrem os recém chegados é que o trabalho falta e os braços sobram.
Enquanto nascia o século XIV, frei Giordano da Rivalto pronunciou em Florença um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam “porque as pessoas têm o gosto de juntar-se”. Juntar-se, encontrar-se. Agora, quem se encontra com quem? Encontra-se a esperança com a realidade? O desejo encontra-se com o mundo? E as pessoas encontram-se com as pessoas? Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente se encontra com as coisas?
O mundo inteiro tende a converter-se num grande écran de televisão, onde as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. As estações de ônibus e de comboios, que até há pouco eram espaços de encontro entre pessoas, estão agora a converter-se em espaços de exibição comercial.
O shopping center, ou shopping mall, vitrine de todas as vitrines, impõe a sua presença avassaladora. As multidões acorrem, em peregrinação, a este templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que os seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora submete-se ao bombardeio da oferta incessante e extenuante.
A multidão, que sobe e baixa pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago, e para ver e ouvir não é preciso pagar bilhete. Os turistas vindos das povoações do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas bênçãos da felicidade moderna, posam para a foto, junto às marcas internacionais mais famosas, como antes posavam junto à estátua do grande homem na praça.
Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam ao centro. O tradicional passeio do fim de semana no centro da cidade tende a ser substituído pela excursão a estes centros urbanos. Lavados, passados e penteados, vestidos com as suas melhores roupas, os visitantes vêm a uma festa onde não são convidados, mas podem ser observadores. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas.
A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo ao desuso mediático. Tudo muda ao ritmo vertiginoso da moda, posta ao serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje a única coisa que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, resultam ser voláteis como o capital que as financia e o trabalho que as gera.
O dinheiro voa à velocidade da luz: ontem estava ali, hoje está aqui, amanhã, quem sabe, e todo trabalhador é um desempregado em potencial. Paradoxalmente, os shopping centers, reinos do fugaz, oferecem com o máximo êxito a ilusão da segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, para além das turbulências da perigosa realidade do mundo.
Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota como esgotam, pouco depois de nascer, as imagens que dispara a metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas a que outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar no conto de que Deus vendeu o planeta a umas quantas empresas, porque estando de mau humor decidiu privatizar o universo?
A sociedade de consumo é uma armadilha caça-bobos. Os que têm a alavanca simulam ignorá-lo, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta.

A injustiça social não é um erro a corrigir, nem um defeito a superar: é uma necessidade essencial. Não há natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.
Texto original: Carta Capital

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Túmulo dos Vagalumes

A animação japonesa, os chamados animes, são normalmente associados a crianças e adolescentes. Animes como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z, entre outros que fizeram sucesso, tinham enredos bastante fantasiosos mas com conteúdo crítico muito pequeno ou nulo. Porém, há um estúdio de animação japonesa que destoa dessa lógica comercial de animação e prima pela qualidade e crítica que essas obras, não apenas limitadas a jovens pode propor aos seus apreciadores.

O Studio Ghibli emerge como grande centro difusor dessas animações críticas a realidade, e entre suas obras uma das que mais me chamou atenção foi o filme "O Túmulo dos Vagalumes". Uma bela obra de animação que retrata questões vinculadas a diversos problemas do mundo, entre eles a fome, a guerra, o capital, pobreza, miséria. Toda essa gama de problemas é tratada a partir do cotidiano de duas crianças no Japão durante o período da Segunda Guerra Mundial.

Para aqueles professores do campo da geografia e da história que quiserem trabalhar com o tema da Segunda Guerra Mundial e suas consequências, sem dúvida a obra Túmulo dos Vagalumes se mostra um excelente auxiliar pedagógico para os conteúdos trabalhados.


terça-feira, 14 de abril de 2015

Afinal de contas, o que é Pedagogia?

      Historicamente atribui-se o papel do pedagogo a Escola, embora na antiguidade, este espaço de atuação não era tão bem definido. Atualmente o campo da Pedagogia se ocupa além do magistério, a supervisão e orientação, além da administração escolar.

      Contudo, o seu signo se origina na “Paedéia”, na Grécia Antiga. Os “paedagogos” eram os responsáveis pelo compromisso de educar. O pensamento educacional grego “Paedéia” era “cuidar dos meninos”, ou seja, educar de acordo com os hábitos, valores e costumes da cultura e da organização social grega.

      Na Idade Média (400 DC - 1400DC) a Igreja Católica exercia o monopólio do saber e do conhecimento.  São os territórios clericais, sinônimos de escola e os clérigos, os pedagogos.

      Com o surgimento do Renascimento e a valorização da cidade, arte e da vida em sociedade, traz novos contornos à vida pública. No entanto é a partir da concepção iluminista, do racionalismo como superação da metafísica e do domínio religioso sobre o pensar, que se inicia uma nova era, a separação entre a Igreja e o Estado.

      O desenvolvimento da técnica e da ciência tem seu pontapé inicial nas Revoluções Burguesas, especialmente a Francesa e a Industrial no século XVIII e XIX.
Portanto a Escola se torna laica, desvencilhada da Igreja (clero), tornando-se compromisso do Estado e da sociedade.

      Todavia cabe aqui ressaltar que as sociedades ditas como primitivas, também produziam ciência e tinham através dos experimentos da troca e da socialização uma base social, muito bem fundamentada a ponto de sobreviverem a um tempo muito hostil.

      No entanto, é no período burguês que a escola moderna, demarcado pelo capital, que o pedagogo toma contornos de ser o principal responsável pelo processo de condução pedagógica, cabendo a si a responsabilidade sobre o magistério, acompanhamento dos educandos e aprendizes, a administração de material, o planejamento e a direção da Instituição Escolar.

E nós aqui, como estamos?

      No Brasil das décadas de 40 e 50, Era Vargas, em pleno processo de industrialização e urbanização urge a exigência do próprio capital de ampliar o acesso das massas populares e periféricas a educação básica com o intuito de qualificar a mão de obra para o mercado de trabalho industrial e urbano. Com o expansionismo do capital, a teoria do capital humano toma força, onde o processo educativo passa a ser conduzido pelo Estado e pelo mercado onde a educação é vista e compreendida como uma mercadoria a ser consumida.

      Entretanto, se a partir da segunda metade do século XX, em pleno Estado Nacional desenvolvimentista, a educação começa a tomar contornos estratégicos, onde destaca-se a sua preponderância no cenário mundial, ainda assim, é conduzida com extremo controle, já que secularmente as primeiras letras na iniciação escolar era circunscrita tão somente a classe dominante de caráter aristocrático colonial. Não é por acaso o alto índice de analfabetismo no Brasil em pleno século XX e que persiste até os dias de hoje, mesmo maquiado no analfabetismo funcional.

      O fato é que com a necessidade de universalização da educação básica com o mote de preparar serviçais que venham atender as novas demandas do capital industrial, buscou uma rápida qualificação, onde o seu principal objetivo é individualizar, tornar competitivo, calcado no mérito e, por conseguinte, sujeitos aptos a novas diretrizes da modernidade. Porém, com a ascensão do Golpe Civil Militar de 64 de cunho fascista, um novo ordenamento educacional, agora direcionado pelo MEC-Usaid, onde os interesses do grande capital Estado Unidense será privilegiado. Longos 25 anos de obscurantismos, torturas, assassinatos, desaparecimentos, prisões, enfim, períodos estes que nos deixaram marcas e sequelas profundas, jogados no mais profundo atraso e subserviência. O campo educacional foi duramente castigado e observado de perto, estudos no campo da Sociologia e Filosofia foram retirados do cronograma curricular, os estudos de História e Geografia eram direcionados em detrimento ao culto nacional, bandeira e hino, entre outros simbolismos nacionais, nada mais positivistas do que a consigna da Bandeira Nacional – Ordem e Progresso – porém esqueceram de dizer “para quem?” Não é verdade? Isso sem contar com a Apologia do sistema através de conteúdos como EPB (Estudos Políticos Brasileiros) e OSPB (Organização Social Política Brasileira).

      No entanto, com a derrocada dos golpistas pós o longo acordo pela redemocratização do país e por conseguinte a ascensão do projeto neoliberal a qual suas políticas tomaram corpo mundialmente. O desmonte dos serviços públicos em detrimento das privatizações e desemprego estrutural, fruto da precarização e das novas tecnologias no mundo trabalho, as terceirizações e como pano de fundo é vendida a ideia de que a educação assume o papel de salvação para os despossuídos. Como bem retrata o slogam do famigerado “Amigos da Escola” da Fundação Roberto Marinho: “Educação é tudo”. É mesmo? – Será? Todavia ignoram que a Educação desassociada dos demais serviços básicos e essenciais na construção da dignidade humana não é nada. Portanto, diferentemente do que a burguesia propaga, o acesso à saúde, moradia, alimentação, transporte, enfim, a vida enquanto preceito básico e elementar é essencial ao pleno desenvolvimento social e cognitivo, todavia direito este negado a bilhões de seres humanos mundialmente.

      É neste contexto, de uma educação pública combalida que se avança a consolidação das OS (Organizações Sociais) de modo paulatino a lógica do capital e do mercado vão “tomando de assalto” o sistema educacional, voltado claramente para o ensino técnico e formação de mão de obra barata.

      Recai sobre os trabalhadores a pouca qualificação técnica e baixa escolarização, propagando assim a ideia da empregabilidade que empurra sobre o proletariado a ideologia de fracasso culpabilizando pela sua trajetória educacional e profissional. Como se o contexto histórico, político e econômico não exercesse influência na vida escolar.

      A ótica empresarial se constitui na pedagogia do capital configurada na lógica da reprodução do engessamento da domesticação, do adestramento, da lucratividade e por fim de um ser incapaz de pensar e interpretar o mundo, porém sinônimo de um mero consumidor.

      É esta a visão que permeia no sistema educacional vigente, onde o educando é agregado a um determinado valor pelo conhecimento adquirido a este conceito que denominamos capital humano.

E a Pedagogia, onde está?

      Paira sobre a Pedagogia, um conjunto de conceitos que tem como objetivo principal minimizar o seu papel e importância, atribuindo assim uma visão secundária no campo educacional. Não é por acaso que se propaga uma leitura sobre o pedagogo, enquanto um educador que impõe e condiciona métodos e práticas de ensino aos demais profissionais da educação.

      Além deste olhar distorcido sobre a Pedagogia residem outras normas que estão carregadas de preconceitos, tais como ser um curso circunscrito a mulheres o maior número de vagas no vestibular em referência às demais áreas, por não estar diretamente ligado à sala de aula, enfim, não faltam adjetivações onde o mote central está na inferiorização do curso, perante as demais ciências.

      No entanto, esta ótica que toma certo corpo, inclusive no campo acadêmico está carregada de senso comum. Entretanto a Pedagogia associada a outras ciências são de extrema preponderância, pois são interlocutores da socialização e difusão dos saberes.

      No contexto de interação e diálogo, a Pedagogia, enquanto uma ciência do campo da educação, compreende que os espaços educativos, sejam eles a sala de aula, ou qualquer outro território de interação são de inúmeras riquezas, que estão para além do cronograma conteudista imposto pela ótica tradicional.

      Sendo assim, torna-se compreensível que as faculdades de graduação tenham em seu currículo de duas a três disciplinas, voltadas para o campo educacional, pois o quem interessa é o conteúdo a ser incutido a todos, já que o projeto promovido pelo Estado Burguês é de uniformizar e engessar a consciência de todos, alimentando assim uma visão de mundo singularizada.

      Daí deriva a Escola enquanto local pouco atrativo, chato e frio, pois ignora outros saberes, não leva em consideração a trajetória do educando e tão pouco conhece o local a qual está situada já que o mais relevante são os saberes pré estabelecidos, o cotidiano e a vida passam a ser irrelevantes. Não é à toa que o índice de abandono escolar tem se mantido elevado (Em 2012, 24,3% era a taxa de abandono escolar, cerca de 1,6 milhão de alunos do ensino básico da rede pública. Dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).   Mesmo que haja uma série de políticas voltadas a atender a universalização do ensino em especial no Ensino Fundamental e em menor grau no Ensino Superior.

      O sistema educacional tem se colocado em pauta pelo menos nas duas últimas décadas e meia, ora seja através de leis como na Constituição cidadã 1988, nas Leis de Diretrizes Básicas de 1996, no PNE (Programa Nacional de Educação), nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PNCs -, no Bolsa Família, no campo do Ensino Superior o ReUni, ProUni, SiSu, além dos programas de bolsistas e por fim o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), este último com caráter de aferição.

      O fato é que os parâmetros, as leis, os programas, as normas, as medidas e as avaliações como ENEM, ENADE, Provinha Brasil, Saerj, provas e outros estados e municípios, encontram-se nos marcos do capital, haja vista que temas centrais se mantêm intocáveis, em seu cunho estratégico, como o currículo e as práticas pedagógicas.

Então, de que educação estamos falando?

      Se partirmos da premissa de que este modelo é enrijecido, parte de uma formulação já cristalizada e estática e o mais significativo consiste em reproduzir um conhecimento pronto e acabado, estabelecido por uma concepção linear e determinista de mundo. Estas consignas moldam um currículo fragmentado e equidistante das demandas populares.
      Se por sua vez esta escola é opaca e nada prazerosa, pois quem determina é o mercado e o grande capital, já que a educação é concebida enquanto uma ferramenta de perpetuação das relações de poder.

      A educação que concebemos é emancipatória e libertadora, dialoga e interage com as identidades e diferenças, o seu currículo oculto é calcado nas resistências populares, levando em consideração os processos históricos. As relações entre educador e educando não são hierárquicas e tão pouco estabelecidas pela ótica do poder.

      O conhecimento não é aferido e nem mensurado, já que as famigeradas provas e avaliações não provam nada, pois não consideram outras formas que não sejam as deterministas, defendidas pela lógica tradicional. 

      As relações estabelecidas no cotidiano são de trocas e afeições, sendo que o mais valioso é o ser humano e não o capital.

      Os saberes são socializados e apropriados por todos, sem agregar valor e lucro. Enfim, estamos retratando os múltiplos saberes que não estão presos a espaços específicos e definidos, mas sim dos saberes produzidos pela classe e que são de todos, pois é patrimônio da humanidade.

Considerações Finais

      Por fim, ainda que a ótica da educação baseada na inclusiva social e das políticas públicas tenham tomado um grande corpo e dimensão, especialmente nos organismos e coletivos que atuam nos movimentos sociais. Nós gostaríamos de pontuar que tais ações em pouco ou quase nada tocam ou mexem em questões de fundo de cunho estratégico. Haja vista que tanto o currículo, área de intensos debates políticos e filosóficos, tal qual as leituras e óticas predominantes dos métodos e práticas pedagógicas se mantêm intactos, produzindo ações conservadoras e toscas.

      Tolem a crítica e o processo de criação dos educandos, culpabilizam pelo estranhamento de uma perspectiva arcaica e endurecida pelo tempo, punem aqueles que não se encaixam e enquadram a forma, castigam aqueles que não comungam dos valores e hábitos propostos pela escola, desdenham das demais culturas e princípios que não estão associadas à visão dominante. Punem os diferentes e destroem a autoestima em nome da meritocracia.   Portanto, estes conceitos estão de pé e se proliferam, deixando sequelas e heranças. Marcas estas imaculadas.

     Com o aumento do tempo escolar na anunciada “educação integral”, o tempo é o disciplinamento do trabalho, já que a afirmativa evidenciada de que a educação é salvadora, esquece de citar as demais políticas que são essenciais ao pleno desenvolvimento humano. Pois sem as mesmas não há dignidade humana. O fato é que em tempos de “Pátria Educadora”, os pilares centrais se mantêm fortes e de pé, sem que uma menção a eles seja dita. Enquanto isto, amplia-se a perspectiva privatista e sucateadora capitaneada pela bancada das instituições particulares de ensino.

      Tempos difíceis e duros estes, todavia, as ruas nos aguardam, e que transformemos cada logradouro em vida e corações pulsantes, repleta de lutas e sonhos. Já que pensar que a educação não pode estar desvinculada das utopias, da liberdade e do prazer.

      Sendo assim, em se tratando de adversidades, vamos à luta, pois um novo mundo nos aguarda. E que este não seja constituído em classes sociais. Portanto a Pedagogia não deve ser uma ciência neutra e tão pouco a serviço da burguesia, que vê nos educandos os seus serviçais e sim uma Pedagogia constituída nas lutas dos povos contra a opressão e tirania da Capital. 

Por José Roberto Magalhães 
Fabiano Soares da Silva

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