segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Choque de Civilizações

“Nesse mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais. O fundamentalismo religioso, cristão, islâmico, judeu, hindu e até budista (o que parece uma contradição de termos) provavelmente é a maior força de segurança pessoal e mobilização coletiva nestes anos conturbados. Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca pela identidade coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado social". 

Manuel Castells. A sociedade em rede - volume I


No mundo da globalização, sua identidade representa o valor que você possui. Suas características culturais, podem ou não facilitar a construção ou reclusão das redes sociais (reais e virtuais). Sua conexão com o mundo é rápida e fluída. Porém, nesse mundo em que a integração é a palavra chave, fatores ideológicos cristalizam-se cada vez mais nas diretrizes da vida cotidiana, social, política e religiosa.

Segundo o dicionário Aurélio, o termo ideologia significa um conjunto de ideias, convicções e princípios sociais que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo ou sociedade. Atualmente, um dos grandes problemas ideológicos que percebemos no mundo chama-se intolerância (em suas várias versões; políticas, sociais e religiosas).

O atentado do Bataclan na França reacende as discussões sobre os diferentes aspectos de intolerância presente na sociedade global hoje. A execução do atentado por fundamentalistas muçulmanos desencadeou uma onda de intolerância contra cidadãos de origem islâmica. Suspeitamos dos "outros" e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana.

É preciso primeiramente desmistificar a questão que envolve o fundamentalismo, pois, ele não se resume a religião islâmica. Grupos religiosos como o Ramo Davidiano (cisma dos Adventistas), os discípulos do reverendo Jim Jones (na Guiana), o grupo Aum Shinrikyo (no Japão), e a Ku Klux Klan (protestantes) são exemplares de agrupamentos religiosos não islâmicos porém radicais na atuação, propagando intolerâncias.

Outro ponto a ser destacado está relacionado com a percepção de que todos os islâmicos compactuam com os grupos fundamentalistas e suas ações violentas. No mundo atual existe em torno de 1,6 bilhões de muçulmanos (as projeções indicam que em 2050 eles serão tão numerosos quanto os cristãos), se todos fossem favoráveis a ações terroristas  e 25% deles se colocassem como jihadistas teríamos algo em torno de 400 milhões de soldados seguindo Alá e Maomé... o mundo seria o caos...

Para entender a relevância dessa intolerância contra o Islamismo é preciso também ampliar a lente de análise e passar a colocar na centralidade do debate a ação das grandes potências nas áreas de presença religiosa muçulmana, pensando num lapso de tempo pelo menos a partir do século XIX, para poder desenhar um diagrama de relações políticas-exploratórias-coloniais que confeccionaram os problemas que vemos atualmente.

O Estado Islâmico, refuta o modo de vida ocidental e é preciso entender que esse grupo fundamentalista produz sua própria interpretação do Islâ, gerando choques com outros ramos muçulmanos, além de  possuir uma dinâmica atuante diferente de outros grupos. A Al Qaeda, por exemplo, sempre atuou em redes difusas, sem pontos fixos para territorializar seu poder claramente, dessa forma, suas diferentes células estão espalhadas por várias partes do mundo, com foco na região do Oriente Médio e seu entorno. Já o Estado islâmico, territorializa seu poder no espaço de maneira visível, quando por exemplo, toma cidades importantes como Mossul no Iraque.

A relação Ocidente x Islâ é sem dúvida o maior impasse geopolítico do mundo atual, propor resoluções para essa crise não é uma tarefa fácil de ser pensada tendo em vista que esse embate envolve a religião e suas potencialidades de fé, como fachada, mas que no âmago da questão, se encontra simplesmente a disputa pelo produto mais importante para a matriz produtiva global, o petróleo.

Para terminar, Arjun Appadurai diz:

A geografia da raiva é produzida no relacionamento volátil dos mapas da política nacional e global (grandemente produzidos por processos e instituições oficiais) com os mapas do sagrado espaço nacional (produzidos por movimentos e partidos religiosos e políticos)

A identidade étnica é um ponto de ignição especial para essa incerteza, mas também pode assumir outras formas somáticas, envolvendo linguagem, vestimenta, gênero, alimentação e raça. Quando essa incerteza é inscrita em processos mais amplos de mudança demográfica, medo econômico e deslocamentos de populações, exacerbados pela mídia e pelas máquinas de propagandas estatais ou quase estatais, como já sugeri antes, a mistura da certeza social com a incerteza torna-se volátil e a violência pode se desenvolver por metástase.




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