segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A identidade europeia, o racismo e a Geografia Colonial

Segundo o dicionário Michaelis a palavra orientar significa: guiar, seguir um rumo, se adaptar a direção de pontos cardeais. Etimologicamente a construção do verbete orientar está associada à Oriente cujo significado é espacial, designando uma das formas de dividir planeta (em hemisférios).

É no oriente que estão localizadas algumas das mais antigas civilizações, entre elas a civilização chinesa. Na história do desenvolvimento das sociedades, inicialmente a centralidade do mundo estava localizada no oriente, sobretudo na China, que detinham domínio das artes (escrita, medicina, astronomia, etc), poderio econômico, militar, político e cultural. Dessa forma, o padrão de desenvolvimento sócio-político-cultural estava centrado no oriente, daí a origem da palavra orientar explicada anteriormente.

Durante esse período de domínio da “civilidade oriental”, a Europa era apenas um agrupamento de territórios onde inexistia o conceito de nação e muito menos o de identidade europeia. Dessa forma, o que hoje entendemos como Europa era apenas um “apêndice” da Ásia. Porém, a partir do advento das grandes navegações (associadas a formação dos Estados Nacionais), e consequente chegada dos europeus a América, essa situação de centralidade-periferia começa a inverter-se. Pois a partir da América, a Europa, inicialmente através dos Ibéricos começa a explorar de várias formas o Novo Mundo. Nesse mesmo momento, a Europa desenvolve a ideia de identidade europeia, algo até então inexistente entre os nativos do “velho mundo”.

A criação desse ideal europeu identitário redefiniu e criou novas identidades subalternas. O oriente passa por um rebaixamento de seu status, e “criam-se” as figuras dos índios, negros e mestiços. Essas passam a ser formas de identificação social inferiores ao “ideal humano” representado pelas figuras europeias. Tal processo é o primeiro momento de potencialização do racismo. Sobre o racismo na dominação colonial Aníbal Quijano diz:

“Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados. Desde então demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal, pois dele passou a depender outro igualmente universal, no entanto mais antigo, o intersexual ou de gênero: os povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de inferioridade, e conseqüentemente também seus traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais. Desse modo, raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população mundial.”

Trezentos anos depois da chegada dos europeus na América, um outro evento de grande magnitude social balança as estruturas políticas europeia. A eclosão da Revolução Francesa vai derrubar as amarras do Antigo Regime. E tendo como lema "liberté, égalité, fraternité" (liberdade, igualdade, fraternidade) a ser difundido pelo mundo, tinha-se criado um problema para a sociedade europeia, pois a “igualdade” colocaria em equidade (na teoria) as “raças inferiores” (negros, índios e mestiços). Não por acaso, nesse período e ao longo de todo século XIX, vão surgir teorias para tentar comprovar a inferioridade biológico-social das “raças inferiores”.


No início do século XIX o tecido social da América Latina está em crescente ebulição, ocorrendo as independências das colônias americanas e o crescente poderio dos Estados Unidos. Nesse tabuleiro político, as nações europeias já não tinham grande vantagem de exploração colonial da América e se voltam para o continente africano até então desconhecido em sua quase totalidade.

Dois vetores de exploração (um associado ao outro) foram importantes na dominação da África por parte das potencias europeias; o capitalismo e a Geografia colonial. A Revolução Industrial transformou as formas de produção vigente até então, e, como reflexo, as relações capitalistas foram cambiadas e surgiram necessidades cada vez maiores de matéria prima e mão de obra. Cabe ressaltar, que os europeus já haviam cartografado a África desde 1497 com a viagem de Vasco da Gama para as Índias, porém, só haviam bordeado o continente e o interior ainda era uma incógnita. O “atraso” da exploração da África como um todo está associado as dificuldades que o meio ambiente africano, extremamente hostil, ofereceu aos colonizadores. Dificuldades de acesso a água, geomorfologia acidentada, rios com navegação difícil, clima agressivo, desertos,  esses fatores só puderam ser transpostos com avanços na técnica de exploração.

A relação entre a geografia europeia e o colonialismo do século XIX é siamesa. Trata-se de gerar um levantamento exaustivo dos lugares do mundo extra-europeu, identificando riquezas potenciais (recursos naturais), caminhos e obstáculos à penetração capitalista nestes distantes rincões. Esse trabalho, coube aos exploradores (financiados pelas Sociedade Geográficas, que recebiam subsídios dos Estados Nacionais ou empresas privadas) que desbravaram locais até então desconhecidos (como as nascentes do Nilo) e trouxeram à tona sociedades não estruturadas na lógica capitalista de sociedade. Na inserção desses novos territórios ao controle da metrópole articulou-se uma dialética entre a construção material e a construção simbólica do espaço, que unifica num mesmo movimento processos econômicos, políticos e culturais. O território material é referência para formas de consciência e representação, cujos discursos retroagem no processo de produção material do espaço, com o imaginário territorial comandando a apropriação e exploração dos lugares.

“Como próspero, o colonizador europeu sabia da importância da cultura e temia a ameaça que provém de homens conscientes da própria história e plenos de confiança no valor das próprias tradições. Do contrário, por que teria mobilizado tudo – potência militar, fé religiosa, força intelectual – para negar aos africanos seus próprios deuses, sua cultura, o significado de sua civilização?”   (James Ngugi. A África que progride precisa de seu passado)


O aparelho colonial europeu resultou mais tarde no Tratado de Berlim, repartição impositiva da África por parte das potências europeias, ato político que deixou marcas coloniais/raciais nos africanos até os dias atuais. Além do que, a partilha africana adiou a guerra mundial por trinta anos. Na primeira metade do século XX, vimos eclodir as duas guerras mundiais e o início do processo de descolonização da África, processos que tiveram reflexos a partir da segunda metade do século vinte onde, para os Africanos, a Geografia Colonial (política) começava a ser derrubada (o que não significou o fim das dependências dos Estados africanos) e surgia aquele que seria o embrião de uma nova identidade europeia, agora conformada em forma de bloco econômico, ainda que em caráter insipiente, mas, chegando ao que é hoje a União Europeia e sua ambição de unidade em várias diretrizes.

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