quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O Fim das Descobertas Imperiais

Boaventura de Sousa Santos*

As Descobertas dos Lugares

Apesar de ser verdade que não há descoberta sem descobridores e descobertos, o que há de mais intrigante na descoberta é que em abstracto não é possível saber quem é quem.  Ou seja, o acto da descoberta é necessariamente recíproco: quem descobre é também descoberto, e vice-versa[1].  Porque é então tão fácil, em concreto, saber quem é descobridor e quem é descoberto?  Porque sendo a descoberta uma relação de poder e de saber, é descobridor quem tem mais poder e mais saber e, com isso, a capacidade para declarar o outro como descoberto.  É a desigualdade de poder e de saber que transforma a reciprocidade da descoberta na apropriação do descoberto.  Toda a descoberta tem, assim, algo de imperial, uma acção de controlo e de submissão.  Este milénio, mais do que qualquer dos que o precedeu, foi o milénio das descoberta imperiais.  Foram muitos os descobridores, mas o mais importante foi, sem dúvida, o Ocidente, nas suas múltiplas incarnações.  O Outro do Ocidente, o descoberto, assumiu três formas principais: o Oriente, o selvagem e a natureza. 
Antes de nos referirmos a cada uma das descobertas imperiais e às suas vicissitudes até ao presente, é importante ter em mente as características principais da descoberta imperial.  A descoberta imperial é constituída por duas dimensões: uma, empírica, o acto de descobrir, e outra, conceptual, a ideia do que se descobre.  Ao contrário do que pode parecer, a dimensão conceptual precede a empírica: a ideia que se tem do que se descobre comanda o acto da descoberta e o que se lhe segue.  O que há de específico na dimensão conceptual da descoberta imperial é a ideia da inferioridade do outro.  A descoberta não se limita a assentar nessa inferioridade, legitima-a  e aprofunda-a.  O que é descoberto está longe, abaixo e nas margens, e essa "localização" é a chave para justificar as relações entre o descobridor e o descoberto após a descoberta. 
A produção da inferioridade é, assim, crucial para sustentar a descoberta imperial.  Para isso, é necessário recorrer a múltiplas estratégias de inferiorização.  Neste domínio pode dizer-se que não tem faltado imaginação ao Ocidente.  Entre tais estratégias podemos mencionar a guerra, a escravatura, o genocídio, o racismo, a desqualificação, a transformação do outro em objecto ou recurso natural e uma vasta sucessão de mecanismos de imposição económica (tributação, colonialismo, neocolonialismo, e, por último, globalização neoliberal), de imposição política (cruzadas, império, estado colonial, ditadura e, por último, democracia) e de imposição cultural (epistemicídio, missionação, assimilacionismo e, por último, indústrias culturais e cultura de massas).

O Oriente

Do ponto de vista do Ocidente, o Oriente é a descoberta primordial do segundo milénio.  O Ocidente não existe fora do contraste com o não-Ocidente.  O Oriente é o primeiro espelho da diferença neste milénio.  É o lugar cuja descoberta descobre o lugar do Ocidente: o centro da história que começa a ser entendida como universal.  É uma descoberta imperial que em tempos diferentes assume conteúdos diferentes.  O Oriente é, antes de mais, a civilização alternativa ao Ocidente — tal como o sol nasce a Oriente, também aí nasceram as civilizações e os impérios.  Esse mito das origens tem tantas leituras quantas as que o Ocidente tem de si próprio, ainda que estas, por seu lado, também não existam senão em termos da comparação com o que não é Ocidental.  Um Ocidente decadente vê no Oriente a Idade do Ouro; um Ocidente exaltante vê no Oriente a infância do progresso civilizacional. 
As duas leituras estão vigentes no milénio mas, à medida que este avança, a segunda leitura toma a primazia sobre a primeira e assume a sua formulação mais extrema em Hegel para quem "a história universal vai de Oriente para Ocidente".  A Ásia é o princípio, enquanto a Europa é o fim absoluto da história universal, o lugar da consumação da trajectória civilizacional da humanidade.  A ideia bíblica e medieval da sucessão dos impérios (translatio imperii) transforma-se em Hegel no caminho triunfante da Ideia Universal dos povos asiáticos para a Grécia, desta para Roma e finalmente de Roma para a Alemanha.  A América do Norte é o futuro equívoco que não colide com o culminar da história universal na Europa, na medida em que é feito com a população excedentária da Europa.  Assim, este eixo Oriente-Ocidente contém, simultaneamente, uma sucessão e uma rivalidade civilizacional e, por isso, é muito mais conflitual do que o eixo Norte-Sul.  Este último é constituído  pela relação entre a civilização e o seu oposto, a natureza e o selvagem.  Aqui não há verdadeiramente conflito porque a civilização tem uma primazia natural sobre tudo o que não é civilizado.  Segundo Hegel, a África não faz parte sequer da história universal.  Para o Ocidente, o Oriente é sempre uma ameaça, enquanto o Sul é apenas um recurso.  A superioridade do Ocidente reside em ele ser simultaneamente o Ocidente e o Norte.
As mudanças, ao longo do milênio, na construção simbólica do Oriente têm alguma correspondência nas transformações da economia mundial.  Até ao século XV, podemos dizer que a Europa e, portanto, o Ocidente, é a periferia de um sistema-mundo cujo centro está localizado na Ásia Central e na Índia.  Só a partir de meados do milénio, com os descobrimentos, é que esse sistema-mundo é substituído por outro, capitalista e planetário, cujo centro é a Europa.
Logo no início do milénio as cruzadas são a primeira grande confirmação do Oriente como ameaça.  A conquista de Jerusalém pelos Turcos e a crescente vulnerabilidade dos cristãos de Constantinopla ao avanço do Islão foram os motivos da guerra santa.  Insuflada pelo Papa Urbano II, uma onda de zelo religioso avassalou a Europa reivindicando para os cristãos o direito inalienável à terra prometida.  As peregrinações à terra santa e ao santo sepúlcro. que nessa altura mobilizavam multidões — trinta anos antes da primeira cruzada, alguns bispos organizaram uma peregrinação de sete mil pessoas, uma jornada laboriosa do Reno ao Jordão[2] — foram o prelúdio da guerra contra o infiel.  Uma guerra santa que recrutou os seus soldados com a concessão papal, a todos os que se alistassem sob a bandeira da cruz, de uma indulgência plena (absolvição de todos os pecados e quitação das penitências devidas) e também com a miragem dos paraísos orientais, os seus tesouros e minas de ouro e diamantes, palácios de mármore e quartzo e rios de leite e mel.  Como qualquer outra guerra santa, também esta soube multiplicar os inimigos da fé para exercitar o seu vigor e, por isso, muito antes de Jerusalém, em plena Alemanha, a cruzada satisfez pela primeira vez a sua sede de sangue e de pilhagem contra os judeus.
As sucessivas cruzadas e as suas vicissitudes selaram a concepção do Oriente que dominou durante todo o milénio: o Oriente como civilização temível e temida e como recurso a ser explorado pela guerra e pelo comércio. Foi essa concepção que presidiu às descobertas planeadas na Escola de Sagres.  Mas os portugueses não deixaram de retocar essa concepção.  Talvez devido à sua posição periférica no Ocidente, viram o Oriente com menos rigidez: a civilização temida mas também a civilização admirada.    O exercício da rejeição violenta foi de par com a admiração veneranda, e os interesses do comércio acabaram por ditar o predomínio de uma ou outra. Aliás, a descoberta do caminho marítimo para a Índia é a mais "ocidental" de todas as descobertas, uma vez que as costas da África Oriental e o Oceano Índico estavam há muito descobertas pelas frotas árabes e indianas.
A concepção do Oriente que predominou no milénio ocidental teve a sua consagração científica no século XIX com o chamado Orientalismo.  Orientalismo é a concepção do Oriente que domina nas ciências e as humanidades europeias a partir do final do século XVIII.  Segundo Said[3], essa concepção assenta nos seguintes dogmas: uma distinção total entre "nós", os ocidentais, e "eles", os orientais; o Ocidente é racional, desenvolvido, humano, superior, enquanto o Oriente é aberrante, subdesenvolvido e inferior; o Ocidente é dinâmico, diverso, capaz de auto-transformação e de auto-definição, enquanto o Oriente é estático, eterno, uniforme, incapaz de se auto-representar; o Oriente é temível (seja ele o perigo amarelo, as hordas mongóis ou os fundamentalistas islâmicos) e tem de ser controlado pelo Ocidente (por meio da guerra, ocupação, pacificação, investigação científica, ajuda ao desenvolvimento, etc.).
O outro lado do orientalismo foi a ideia da superioridade intrínseca do Ocidente, a conjunção nesta zona do mundo de uma série de características peculiares que tornaram possível, aqui e só aqui, um desenvolvimento científico, cultural, económico e político sem precedentes.  Max Weber foi um dos grandes teorizadores do predomínio inevitável do Ocidente[4].  O facto de Joseph Needham e outros terem demonstrado que, até ao século XV, a civilização chinesa não era em nada inferior à civilização ocidental[5], não abalou até hoje o senso comum ocidental sobre a superioridade, por assim dizer, genética do Ocidente.
Chegamos ao final do milénio prisioneiros da mesma concepção do Oriente.  Aliás, deve salientar-se que as concepções que assentam em contrastes dicotómicos têm sempre uma forte componente especular: cada um dos termos da distinção vê-se ao espelho do outro.  Se é verdade que as cruzadas selaram a concepção do Oriente que prevaleceu até hoje no Ocidente, não é menos verdade que, para o mundo muçulmano, as cruzadas — agora designadas como guerras e invasões francas — compuseram a imagem do Ocidente — um mundo bárbaro, arrogante, intolerante, pouco honrado nos compromissos — que igualmente até hoje dominou[6].
As referências empíricas da concepção do Oriente por parte do Ocidente mudaram ao longo do milénio, mas a estrutura que lhes dá sentido manteve-se intacta.  Numa economia globalizada, o Oriente, enquanto recurso, foi profundamente reelaborado.  É hoje, sobretudo, um imenso mercado a explorar, e a China é o corpo material e simbólico desse Oriente.  Por mais algum tempo, o Oriente será ainda um recurso petrolífero, e a Guerra do Golfo é a expressão do valor que ele detém na estratégia do Ocidente hegemónico.  Mas, acima de tudo, o Oriente continua a ser uma civilização temível e temida.  Sob duas formas principais, uma, de matriz política — o chamado "despotismo oriental" — e outra, de matriz religiosa — o chamado "fundamentalismo islâmico" —, o Oriente continua a ser o Outro civilizacional do Ocidente, uma ameaça permanente contra a qual se exige uma vigilância incansável.  O Oriente continua a ser um lugar perigoso cuja perigosidade cresce com a sua geometria. 
A mão que traça as linhas do perigo é a mão do medo e, por isso, o tamanho da fortaleza que o exorcisa varia com a percepção da vulnerabilidade.  Quanto maior for a percepção da vulnerabilidade do Ocidente, maior é o tamanho do Oriente.  Daí que os defensores da alta vulnerabilidade não se contentem com uma concepção restrita de Oriente, tipo "fundamentalismo islâmico", e apontem para uma concepção muito mais ampla, a "aliança confucionista-islâmica" de que fala Samuel Huntington[7]. Trata-se, afinal, da luta do Ocidente contra o Resto do Mundo.  Ao contrário do que pode parecer, a percepção da alta vulnerabilidade, longe de ser uma manifestação de fraqueza, é uma manifestação de força e traduz-se na potenciação da agressividade.  Só quem é forte pode justificar com a vulnerabilidade o exercício da força. 
Um Ocidente sitiado, altamente vulnerável, não se limita a ampliar o tamanho do Oriente, restringe o seu próprio tamanho.  Esta restrição tem um efeito perverso: a criação de Orientes dentro do Ocidente.  É este o significado da Guerra do Kosovo: O Ocidente eslavo transformado numa forma de despotismo oriental.  É por isso que os Kosovares, para estarem do lado "certo" da história, não podem ser islâmicos.  Têm de ser apenas minorias étnicas.

O Selvagem

Se o Oriente é para o Ocidente o lugar da alteridade, o selvagem é o lugar da inferioridade.  O selvagem é a diferença incapaz de se constituir em alteridade.  Não é o outro porque não é sequer plenamente humano[8].  A sua diferença é a medida da sua inferioridade.  Por isso, longe de constituir uma ameaça civilizacional, é tão só a ameaça do irracional. O seu valor é o valor da sua utilidade.  Só merece a pena confrontá-lo na medida em que ele é um recurso ou a via de acesso a um recurso.  A incondicionalidade dos fins — a acumulação dos metais preciosos, a expansão da fé — justificam o total pragmatismo dos meios: escravatura, genocídio, apropriação, conversão, assimilação.
Os jesuítas, despachados quase ao mesmo tempo, ao serviço de D. João III, para o Japão e para o Brasil, foram os primeiros a testemunhar a diferença entre o Oriente e o selvagem:  "Entre o Brasil e esse vasto Oriente, a disparidade era imensa.  Lá, povos de requintada civilização ... Aqui florestas virgens e selvagens nus.  Para o aproveitamento da terra pouco se poderia contar com sua rarefeita população indígena cuja cultura não ultrapassava a idade da pedra.  Era necessário povoá-la, estabelecer na terra inculta a verdadeira "colonização".  Não assim no Oriente, superpovoado, onde a Índia, o Japão e, sobretudo, a China haviam deslumbrado, em plena idade média, os olhos e a imaginação de Marco Polo[9].
A ideia do selvagem passou por várias metamorfoses ao longo do milénio.  O seu antecedente conceptual está na teoria da "escravatura natural" de Aristóteles.  Segundo esta teoria, a natureza criou duas partes, uma superior, destinada a mandar, e outra, inferior, destinada a obedecer.  Assim, é natural que o homem livre mande no escravo, o marido, na mulher, o pai, no filho.  Em qualquer destes casos quem obedecer está total ou parcialmente privado da razão e da vontade e, por isso, é do seu interesse ser tutelado por quem tem uma e outra em pleno.  No caso do selvagem, esta dualidade atinge uma expressão extrema na medida em que o selvagem não é sequer plenamente humano; meio animal, meio homem, monstro, demónio, etc.  Esta matriz conceptual variou ao longo do milénio e, tal como sucedeu com o Oriente, foi a economia política e simbólica da definição do "Nós" que determinou a definição do "Eles".  Se é verdade que dominaram as visões negativas do selvagem, não é menos verdade que as concepções pessimistas do "Nós", de Montaigne a Rousseau, de Las Casas a Vieira estiveram na base das visões positivas do selvagem, o "bom selvagem".
Neste segundo milénio a América e a África, enquanto "descobertas" ocidentais, são o lugar por excelência do selvagem.  E a América talvez mais que a África, dado o modelo de conquista e colonização  que prevaleceu no "Novo Mundo", como significativamente foi designado por Américo Vespúcio o continente que rompia com a geografia do mundo antigo, confinado à Europa, à Ásia e à África.  É a propósito da América e dos povos indígenas submetidos ao jugo europeu que se suscita o debate fundador sobre a concepção do selvagem no segundo milénio.  Este debate que, contrariamente às aparências, está hoje tão em aberto como há quatrocentos anos, inicia-se com as descobertas de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral e atinge o seu primeiro clímax na "Disputa de Valladolid", convocada em 1550 por Carlos V, em que se confrontaram dois discursos paradigmáticos sobre os povos indígenas e a sua dominação, protagonizados por Juan Ginés de Sepúlveda e Bartolomé de Las Casas.  Para Sepúlveda, fundado em Aristóteles, é justa a guerra contra os índios porque estes são os "escravos naturais", seres inferiores, animalescos, homúnculos, pecadores graves e inveterados, que devem ser integrados na comunidade cristã, pela força, se for caso disso, a qual, se necessário, pode levar à sua eliminação.  Ditado por uma moral superior, o amor do próximo pode, assim, sem qualquer contradição, justificar a destruição dos povos indígenas:  na medida em que resistem à dominação "natural e justa" dos seres superiores, os índios tornam-se culpados da sua própria destruição.  É para seu próprio benefício que são integrados ou destruídos[10].
A este paradigma da descoberta imperial, fundado na violência civilizadora do Ocidente, contrapôs Las Casas a sua luta pela libertação e emancipação dos povos indígenas, que considerava seres racionais e livres, dotados de cultura e instituições próprias, com os quais a única relação legítima era a do diálogo construtivo assente em razões persuasivas "suavemente atractivas e exortativas da vontade"[11].  Fustigando a hipocrisia dos conquistadores, como mais tarde fará o Padre António Vieira, Las Casas denuncia a declaração da inferioridade dos índios como um artifício para compatibilizar a mais brutal exploração com o imaculado cumprimento dos ditames da fé e dos bons costumes.
Pese embora o brilho de Las Casas, foi o paradigma de Sepúlveda que prevaleceu, porque só esse era compatível com as necessidades do novo sistema mundial capitalista centrado na Europa.
  No terreno concreto da missionação, dominaram quase sempre as ambiguidades e os compromissos entre os dois paradigmas.  O Padre José Anchieta é talvez um dos primeiros exemplos.  Tendo, embora, repugnância pela antropofagia e pela concupiscência dos brasis, "gente bestial e carniceira", o Padre Anchieta acha legítimo sujeitar os gentios ao jugo de Cristo que "assim [...] serão obrigados a fazer, por força, aquilo a que não é possível levá-los por amor"[12], ao mesmo tempo que de Roma os seus superiores lhe recomendam que evite atritos com os portugueses, "pelo que importa mantê-los benévolos"[13].  Mas, por outro lado, tal como Las Casas, Anchieta embrenha-se no conhecimento dos costumes e das línguas indígenas e vê nos ataques dos índios aos portugueses o castigo divino "pelas muitas sem-razões que têm feito a esta nação, que dantes eram nossos amigos, salteando-os, cativando-os, e matando-os, muitas vezes com muitas mentiras e enganos"[14].  Quase vinte anos depois, haveria Anchieta de se lamentar que "a maior parte dos índios, naturais do Brasil, está consumida, e alguns poucos, que se hão conservado com a diligência e trabalhos da Companhia, são tão oprimidos que em pouco tempo se gastarão"[15].
Com matizes vários, é o paradigma de Sepúlveda que ainda hoje prevalece na posição ocidental sobre os povos ameríndios e os povos africanos.  Expulsa das declarações universais e dos discursos oficiais é, contudo, a posição que domina as conversas privadas dos agentes do Ocidente no Terceiro Mundo, sejam eles embaixadores, funcionários da ONU, do Banco Mundial ou do Fundo Monetário Internacional, cooperantes, empresários, etc. É esse discurso privado sobre pretos e índios que mobiliza subterraneamente os projectos de desenvolvimento depois enfeitados publicamente com declarações de solidariedade e direitos humanos.

A Natureza

A natureza é a terceira grande descoberta do milénio, aliás, concomitante da descoberta do selvagem ameríndio.  Se o selvagem é, por excelência, o lugar da inferioridade, a natureza é, por excelência, o lugar da exterioridade. Mas como o que é exterior não pertence e o que não pertence não é reconhecido como igual, o lugar de exterioridade é também um lugar de inferioridade.  Tal como o selvagem, a natureza é simultaneamente uma ameaça e um recurso.  É uma ameaça tão irracional quanto a do selvagem, mas a irracionalidade deriva, no caso da natureza, da falta de conhecimento sobre ela, um conhecimento que permita dominá-la e usá-la plenamente como recurso. A violência civilizatória que, no caso dos selvagens, se exerce por via da destruição dos conhecimentos nativos tradicionais e pela inculcação do conhecimento e fé "verdadeiros" exerce-se, no caso da natureza, pela produção de um conhecimento que permita transformá-la em recurso natural.  Em ambos os casos, porém, as estratégias de conhecimento são basicamente estratégias de poder e dominação.  O selvagem e natureza são, de facto, as duas faces do mesmo desígnio: domesticar a "natureza selvagem", convertendo-a num recurso natural.  É essa vontade única de domesticar que torna a distinção entre recursos naturais e recursos humanos tão ambígua e frágil no século XVI como hoje.
Tal como a construção do selvagem, também a construção da natureza obedeceu às exigências da constituição do novo sistema económico mundial centrado na Europa.  No caso da natureza, essa construção foi sustentada por uma portentosa revolução científica que trouxe no seu bojo a ciência tal como hoje a conhecemos, a ciência moderna.  De Galileu a Newton, de Descartes a Bacon, um novo paradigma científico emerge que separa a natureza da cultura e da sociedade e submete a primeira a um guião determinístico de leis de base matemática.  O Deus que justifica a submissão dos índios tem, no caso da natureza, o seu equivalente funcional nas leis que fazem coincidir previsões com acontecimentos e transformam essa coincidência na prova da submissão da natureza.  Tão estúpida e imprevisível enquanto interlocutor quanto o selvagem, a natureza não pode ser compreendida; pode apenas ser explicada, e explicá-la é a tarefa da ciência moderna. Para ser convincente e eficaz, esta descoberta da natureza não pode questionar a natureza da descoberta.  Com o tempo, o que não pode ser questionado deixa de ser uma questão, isto é, torna-se evidente.
Este paradigma de construção da natureza, apesar de apresentar alguns sinais de crise, é ainda hoje o paradigma dominante.  Duas das suas consequências assumem uma especial preeminência no final do milénio: a crise ecológica e a questão da biodiversidade.  Transformada em recurso, a natureza não tem outra lógica senão a de ser explorada até à exaustão.  Separada a natureza do homem e da sociedade, não é possível pensar retroacções mútuas.  Esta ocultação não permite formular equilíbrios nem limites, e é por isso que a ecologia não se afirma senão por via da crise ecológica. 
Por outro lado, a questão da biodiversidade vem repor num novo plano a sobreposição matricial entre a descoberta do selvagem e a descoberta da natureza.  Não é por acaso que no final do milénio boa parte da biodiversidade do planeta existe em territórios dos povos indígenas.  Para eles, a natureza nunca foi um recurso natural, foi sempre parte da sua própria natureza enquanto povos indígenas e assim a preservaram preservando-se, sempre que conseguiram escapar à destruição ocidental.  Hoje, à semelhança do que ocorreu nos alvores do sistema mundial capitalista, as empresas multinacionais da farmacêutica, da biotecnologia e da engenharia genética procuram transformar os indígenas em recursos, agora não em recursos de trabalho, mas antes em recursos genéticos, em instrumentos de acesso, não ao ouro e à prata, mas, por via do conhecimento tradicional, à flora e à fauna, sobre a forma de biodiversidade.

Os Lugares fora do Lugar

Identifiquei as três grandes descobertas matriciais do milénio: o Oriente enquanto lugar da alteridade; o selvagem, enquanto lugar da inferioridade; a natureza, enquanto lugar de exterioridade.  São descobertas matriciais porque acompanharam todo o milénio, ou boa parte dele, e tanto que, no final do milénio, e apesar de alguns questionamentos, permanecem intactas na sua capacidade para alimentar o modo como o Ocidente se vê a si próprio e tudo o que não identifica consigo.
A descoberta imperial não reconhece igualdade, direitos ou dignidade ao que descobre.  O Oriente é inimigo, o selvagem é inferior, a natureza é um recurso à mercê dos humanos.  Como relação de poder, a descoberta imperial é uma relação desigual e conflitual.  É também uma relação dinâmica.  Por quanto tempo o lugar descoberto mantém o estatuto de descoberto?  Por quanto tempo o lugar descoberto permanece no lugar da descoberta?  Qual o impacto do descoberto no descobridor?  Pode o descoberto descobrir o descobridor? Pode o descobridor descobrir-se?  São possíveis redescobertas?
O final do milénio é um tempo propício às interrogações.  Na orla do tempo, a perplexidade parece ser a forma menos insana de conviver com a dramatização das opções ou da falta delas.  O sentimento de urgência é o resultado da acumulação de múltiplas questões na mesma hora ou lugar.  Sob o peso da urgência, as horas perdem minutos e os lugares comprimem-se.
É sob o efeito desta urgência e da desordem que ela provoca que os lugares descobertos pelo milénio ocidental dão sinais de inconformismo.  Na intimidade, esse inconformismo coincide em tudo com o auto-questionamento e a auto-reflexividade do Ocidente.  É possível substituir o Oriente pela convivência multicultural?  É possível substituir o selvagem pela igualdade na diferença e pela auto-determinação?  É possível substituir a natureza por uma humanidade que a inclua?  Estas são as perguntas a que o terceiro milénio tentará responder.

*Sociólogo. Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Texto original em: dhnet


Leitura recomendada

Anchieta, Jose.  Obras Completas.  São Paulo: Edições Loyola.
Gibbon, Edward.  1928.  The Decline and Fall of the Roman Empire.  6 Volumes.  Londres: J.M. Dent.
Las Casas, Bartolomé.  1992.  Obras CompletasTomo X, Madrid: Alianza Editorial.
Montaigne, Michel de.  1998.  Ensaios. Lisboa: Relógio D'Água.
Needham, Joseph.  1954.  Science and Civilization in China.  6 Volumes.  Cambridge: Cambridge University Press.
Said, Edward.  1979.  Orientalism.  Nova Iorque: Vintage Books.



[1] Vitorino Magalhães Godinho, apesar de criticar os que questionam o conceito de descobrimento no contexto da expansão europeia, reconhece que descoberta em sentido pleno só existiu no caso da descoberta das ilhas desertas (Madeira, Açores, Ilhas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Ascensão, Santa Helena, ilhas de Tristão da Cunha). Vitorino M. Godinho, "Que significa descobrir?" in Adauto Novaes (org.) A Descoberta do Homem e do Mundo, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 55-82.
[2]   Cfr. Edward Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire, Vol. 6. Londres: J.M. Dent and Sons, p. 31.
 [3]  Cfr. Edward Said, Orientalism. Nova Iorque: Vintage Books, 1979, p. 300.
[4]  Cfr. Max Weber , A Ética Protestante e o espírito do Capitalismo. 3ª edição, Lisboa: Ed. Presença,1990.
[5] Cfr. Joseph Needham, Science and Civilization in China, 6 Volumes. Cambridge: Cambridge University Press, 1954.
[6]  Cfr. Amin Maalouf, As cruzadas vistas pelos Árabes. 7ª edição, Lisboa: Difel, 1983.
[7]  Cfr. Samuel Huntington, "The Clash of Civilizations?", Foreign Affairs, 72(1993), 3.
[8] Num dos relatos recolhidos por Ana Barradas (1992), os índios são descritos como “(…) verdadeiros seres inumanos, bestas da floresta incapazes de compreender a fé católica (…), esquálidos selvagens, ferozes e vis, parecendo-se mais animais selvagens em tudo menos na forma humana (…).” Ana Barradas, Ministros da Noite –  Livro Negro da Expansão Portuguesa. Lisboa: Antígona, 1992.
[9] Cfr. Helio A. Viotti, S. J. Prefácio às Cartas do P. José de Anchieta, Obras Completas, Vol. 6. São Paulo: Edições Loyola, 2ª edição, 1984, p. 12.
[10]  Cfr. Juan Ginés de Sepúlveda, Tratado sobre las Justas Causas de la Guerra contra los Índios México: Fordo de Cultura Economica, 1979.
[11]  Cfr. Bartolomé de Las Casas, Obras Completas, Tomo X. Madrid: Alianza Editorial, 1992.
[12]  Carta de 1.10.1554, Obras Completas, Vol. 6, p. 79.
[13]  Carta do Geral Everardo para o P. José Anchieta de 19.8.1579, Obras Completas, Vol. 6, p. 299.
[14]  Carta de 8.1.1565, Obras Completas, Vol. 6, p. 210.
[15]  Carta de 7.8.1583, Obras Completas, Vol. 6, p. 338.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Choque de Civilizações

“Nesse mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais. O fundamentalismo religioso, cristão, islâmico, judeu, hindu e até budista (o que parece uma contradição de termos) provavelmente é a maior força de segurança pessoal e mobilização coletiva nestes anos conturbados. Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca pela identidade coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado social". 

Manuel Castells. A sociedade em rede - volume I


No mundo da globalização, sua identidade representa o valor que você possui. Suas características culturais, podem ou não facilitar a construção ou reclusão das redes sociais (reais e virtuais). Sua conexão com o mundo é rápida e fluída. Porém, nesse mundo em que a integração é a palavra chave, fatores ideológicos cristalizam-se cada vez mais nas diretrizes da vida cotidiana, social, política e religiosa.

Segundo o dicionário Aurélio, o termo ideologia significa um conjunto de ideias, convicções e princípios sociais que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo ou sociedade. Atualmente, um dos grandes problemas ideológicos que percebemos no mundo chama-se intolerância (em suas várias versões; políticas, sociais e religiosas).

O atentado do Bataclan na França reacende as discussões sobre os diferentes aspectos de intolerância presente na sociedade global hoje. A execução do atentado por fundamentalistas muçulmanos desencadeou uma onda de intolerância contra cidadãos de origem islâmica. Suspeitamos dos "outros" e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana.

É preciso primeiramente desmistificar a questão que envolve o fundamentalismo, pois, ele não se resume a religião islâmica. Grupos religiosos como o Ramo Davidiano (cisma dos Adventistas), os discípulos do reverendo Jim Jones (na Guiana), o grupo Aum Shinrikyo (no Japão), e a Ku Klux Klan (protestantes) são exemplares de agrupamentos religiosos não islâmicos porém radicais na atuação, propagando intolerâncias.

Outro ponto a ser destacado está relacionado com a percepção de que todos os islâmicos compactuam com os grupos fundamentalistas e suas ações violentas. No mundo atual existe em torno de 1,6 bilhões de muçulmanos (as projeções indicam que em 2050 eles serão tão numerosos quanto os cristãos), se todos fossem favoráveis a ações terroristas  e 25% deles se colocassem como jihadistas teríamos algo em torno de 400 milhões de soldados seguindo Alá e Maomé... o mundo seria o caos...

Para entender a relevância dessa intolerância contra o Islamismo é preciso também ampliar a lente de análise e passar a colocar na centralidade do debate a ação das grandes potências nas áreas de presença religiosa muçulmana, pensando num lapso de tempo pelo menos a partir do século XIX, para poder desenhar um diagrama de relações políticas-exploratórias-coloniais que confeccionaram os problemas que vemos atualmente.

O Estado Islâmico, refuta o modo de vida ocidental e é preciso entender que esse grupo fundamentalista produz sua própria interpretação do Islâ, gerando choques com outros ramos muçulmanos, além de  possuir uma dinâmica atuante diferente de outros grupos. A Al Qaeda, por exemplo, sempre atuou em redes difusas, sem pontos fixos para territorializar seu poder claramente, dessa forma, suas diferentes células estão espalhadas por várias partes do mundo, com foco na região do Oriente Médio e seu entorno. Já o Estado islâmico, territorializa seu poder no espaço de maneira visível, quando por exemplo, toma cidades importantes como Mossul no Iraque.

A relação Ocidente x Islâ é sem dúvida o maior impasse geopolítico do mundo atual, propor resoluções para essa crise não é uma tarefa fácil de ser pensada tendo em vista que esse embate envolve a religião e suas potencialidades de fé, como fachada, mas que no âmago da questão, se encontra simplesmente a disputa pelo produto mais importante para a matriz produtiva global, o petróleo.

Para terminar, Arjun Appadurai diz:

A geografia da raiva é produzida no relacionamento volátil dos mapas da política nacional e global (grandemente produzidos por processos e instituições oficiais) com os mapas do sagrado espaço nacional (produzidos por movimentos e partidos religiosos e políticos)

A identidade étnica é um ponto de ignição especial para essa incerteza, mas também pode assumir outras formas somáticas, envolvendo linguagem, vestimenta, gênero, alimentação e raça. Quando essa incerteza é inscrita em processos mais amplos de mudança demográfica, medo econômico e deslocamentos de populações, exacerbados pela mídia e pelas máquinas de propagandas estatais ou quase estatais, como já sugeri antes, a mistura da certeza social com a incerteza torna-se volátil e a violência pode se desenvolver por metástase.




segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O Brasil que criminaliza e mata as suas crianças



O Brasil deu o seu primeiro passo ao retrocesso, nessa terça-feira no dia 31 de março na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara dos Deputados, foi aprovado por 42 votos a favor e 17 contra, a PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, a comissão especial terá ainda um prazo de 40 sessões do Plenário para dar seu parecer e a PEC ainda deverá ser votada em dois turnos pelo Plenário da Câmara, para ser aprovada precisa de (3/5 dos deputados cerca de 308 votos em cada votação), seguindo assim para a aprovação no Senado aonde será analisada e votada em dois turnos novamente, lembrando que não segue a Presidência da República pois trata-se de emenda à Constituição.

O Brasil do ódio não deu a mínima para o pronunciamento em documento datado do ano de 2007 da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) “Porque dizer não à redução da idade penal”¹ e a parte em que esta mesma diz que: “A redução da maioridade penal representaria uma ameaça para os direitos de crianças e adolescentes”, e para além a Unicef acredita que as discussões sobre o assunta desestabiliza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual vigora no Brasil que foi um dos primeiros países a organizar uma legislação que seguisse os princípios da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança desde 13 de julho de 1990, e este mesmo Brasil esqueceu que na sexta-feira dia 20 de março admitiu que existe um cenário de extermínio de jovens negros no país na audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), ou seja,  agora caminhamos a contramão de mais de 20 anos de avanços das garantias de direitos das crianças e dos adolescentes desse país.

A Câmara cercada do mais extremo reacionarismo que tem nesse país não muito diferente do Senado, tenta de forma heroica e a cavalgadas ariscas visto assim pelo conservadorismo que vem a passos largos ocupando os cargos públicos desta mesma, vejamos o aumento nas últimas eleições das bancadas religiosa e da bala, extinguir os direitos conquistados de anos de luta a fio pela classe trabalhadora, tendo também a ajuda incessante e ininterrupta da Mídia burguesa que vocifera inúmeras inverdades, e faz de casos isolados como padrão para esmiuçar as suas mentiras e alienar o povo desinformado, que assim reproduz seus posicionamentos banhados na ideologia da extrema direita fascista desse país.

É importante antes de tudo trazermos em dados a realidade que esta mesma mídia falaciosa não evidencia a população:

∙ De acordo com o levantamento da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Crianças e do Adolescentes roubos e atividades relacionadas ao tráfico de drogas representam 38% e 27% dos atos infracionais, e no que tange os homicídios esses não chegam nem a 1% dos crimes cometidos entre jovens de 16 e 18 anos,

∙ Segundo a Unicef dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida,

∙ O Brasil registra homicídios de 30 mil jovens por ano e segundo dados do Mapas da Violência de 2014, 80% das mortes são de negros.

∙ Fazendo um recorte do total de números dos homicídios ocorridos nos últimos 20 anos no Brasil, apenas 3% destes foram cometidos por adolescentes

∙ Em 2013 O número de homicídios cometidos por adolescentes chega a apenas 0,5% do total.

∙ Em 2010, foram assassinadas 8.600 crianças e adolescentes em todo o Brasil.

∙ Em 2012, entre os 56 mil homicídios em solo brasileiro, 30 mil eram jovens, em sua maioria negros e pobres.

∙ Se compararmos os períodos de 2004 e 2007 no Brasil com Iraque, Sudão e Afeganistão, (PAÍSES QUE VIVEM EM GUERRA) não se pasmem matou-se mais jovens no Brasil neste período do que nesses países que vivem em guerra.

Portanto segundo esses dados a aprovação desta PEC realmente vai atingir as crianças e adolescentes desse país, mais principalmente quem vai sofrer com isso são as mesmas crianças negras e pobres oriundas da favela que são produto do descaso do poder público, e fruto de uma desigualdade social flagrante no Brasil deste a sua formação como Estado Nacional que sofreu resquícios de quando era colônia, ou seja, voltamos a ver a criança como víamos acerca de 450 anos atrás como pequenos adultos que não precisam de uma legislação específica para a sua proteção pois são materiais descartáveis que tem a obrigação de se domesticar nessa sociedade leprosa assim como os seus pais, e se caso não se adequarem é fácil é só matar e no caso do século XXI quando não mata prende.

O interessante é que os mesmos que defendem a diminuição da maioridade penal, esquecem que o nosso sistema carcerário é extremamente falido e não nos dá garantia nenhuma que prendendo uma criança, essa após cumprir a sua pena terá condições cognitivas de ressocialização a sociedade, pelo contrário é capaz que essa saia com mais sentimento de raiva do que quando entrou pois o sistema prisional não cumpre o papel na prática de ressocialização dos presos na sociedade na verdade vai na contramão deste, sem contar que o Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo perdendo apenas para os Estados Unidos, (Que diminui a maioridade penal e é um dos exemplos mais próximo que esta não significou a  redução da violência no país) China e Rússia, e para acirramos mais ainda essa questão pegando em números para entendermos que os jovens não são o mal da sociedade como vocifera o conservadorismo e a mídia fascista, na atual legislação com a maioridade sendo referente a 18 anos os jovens infratores representam atualmente apenas 8% da população carcerária do país.

E indo além já temos promovidos pelo ECA em legislação seis medidas socioeducativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação porque incluir a prisão desses menores que não vai cumprir o papel de ressocialização assim como as medidas socioeducativas não cumprem pois seguem a mesma lógica do sistema prisional que mais exclui do que inclui esse jovem ao tecido social, portanto antes de pensarmos em prender devíamos pensar em reformulação de todo esse sistema falido, e para além em nossa legislação a partir dos 12 anos qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato contra a lei que este venha a cometer, e essa responsabilização é executada por medidas socioeducativas prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual desmente a confusão ideológico que os defensores da diminuição da idade penal tentam fazer colocando no mesmo patamar a impunidade penal que não existe na constituição já que temos uma legislação específica que responsabiliza o menor,  com o rebaixamento da imputabilidade penal que são coisas diferentes, e o segundo se refere no Código Penal a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.

Ainda temos outra problemática que na maioria das vezes a polícia não prende ela mata, então se pegarmos o caráter dessa polícia racista e genocida que age a mando do Estado Burguês, já se matam inúmeras crianças nas periferias e favelas desse país pois os números de adolescentes e crianças mortas nas periferias por operações policiais legitimadas pelo auto de resistência é gritante, os números de jovens mortes em nosso país todo ano é algo a se alarmar e não precisamos de mais uma forma de matar essas criança psicologicamente no enrijecimento da lei levando esta mesma a prisão, pois é intrinsecamente importante entendermos que a verdadeira vítima do sistema são esses adolescentes, que além da morte direta que sofrem o Estado também mata essas crianças de forma indireta deixando estas à mercê de um sistema de saúde extremamente sucateado ao passo que o atendimento é demasiadamente ruim e isso quando o acesso a este se faz possível, e para além mata a criança através da fome, aonde temos um cenário o qual muitos dos jovens vivem a margem da sociedade capitalista sem o direito a uma moradia digna que dialogue com as necessidade básicas para a sua sobrevivência que é o acesso ao saneamento básico e principalmente a uma alimentação de qualidade os quais são direitos desses. no que tange que o Estado que deveria garantir estes mesmos.
Destarte o Brasil do ódio mesmo tendo inúmeras entidades com o posicionamento contrário a redução da maioridade penal como a Unicef, a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério da Justiça, ainda assim tenta pôr pra frente a aprovação dessa PEC no mínimo anticonstitucional visto as implicações dessa acima, e para além 60% dos deputados que votaram a favor na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), só para constar estão sendo investigados por crimes, o que é no mínimo contraditório levantar a bandeira sobre a impunidade confundindo-a com a imputabilidade, se muitos deles estão impune e continuaram devido seus privilégios de classe.

Contudo vemos muito mais um sentimento irracional da população semeado pela mídia burguesa que não é banhado na realidade, pois em dados científicos o enrijecimento da lei para crianças culminará em mais holocausto já vigente no Brasil e quando isso acontecer quem vai responder por isso, se responsabilizar pelo acirramento do problema demográfico da nossa pirâmide etária o qual temos uma população idosa e adulta que começa a superar a mesma dos jovens, aí daqui a alguns anos que tivermos uma sociedade doentia e principalmente uma polícia braço armado do Estado que matou grande parte de nossos filhos e nossos netos da periferia, e que  quando não matou prendeu em um sistema carcerário que serve pra dizimar cognitivamente e estuprar psicologicamente  essa criança vamos querer apontar os vilões, só que será tarde demais viveremos em uma sociedade adulta e idosa sem jovens negros (os únicos serão da casa grande) e pobres com uma população jovial branca composta por filhos e netos das famílias Marinho, Saad , Frias ,Mesquita, Civittas, Abravanel, Sarney, Magalhães e por aí vai que proporão essa matança além de todas as famílias oligárquicas e a  burguesa que manda no Brasil a canetadas.

Pois bem, esperemos os próximos capítulos dessa insanidade jurídica sabendo que se ficarmos de braços cruzados essa batalha vai estar mais do que perdida, pois os apologistas do conservadorismo no Brasil caminham a cavalgadas espaçosas para a aprovação dessa medida anticonstitucional, entendendo assim que caso seja aprovada a redução da imputabilidade penal o próximo passo para este vai ser tentar a votação que aprove a pena de morte no país, pois o conservadorismo só avança não existe em seu dicionário particular dar um passo atrás na sua condição de genocida da classe trabalhadora, e não se assustem se isso acontecer pois o crescente reacionarismo e fascismo está em curso no país e salve-se quem puder pois se não houver uma organização unificada que clame por nossos pequenos direitos conquistados em anos a fio na luta da classe estamos perdidos, vamos todos pra vala junto com nossas crianças.


∙ Referências bibliográficas:




Rio de Janeiro 450 anos de contradições


Cidade Maravilhosa, essa é a forma de se referir a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a cidade que é o retrato do Brasil. Nesse ano, comemoramos 450 anos da fundação da cidade, data marcante e também propícia para fazermos uma pergunta: A cidade é maravilhosa para quem? ...
Localizada sobre paisagens naturais belíssimas, a cidade foi construída entre a montanha e o mar. Espremida entre esses dois fatores geográficos naturais, criou-se a imagem de uma cidade que vive em consonância com a natureza, onde os avanços da tecnologia caminham lado a lado com a maior floresta urbana do mundo, a Floresta da Tijuca. E dessa amálgama constrói-se o imaginário que perpassa para o mundo a beleza da cidade carioca.
Alguns dos cartões portais da cidade estão entre os mais visitados e fotografados do mundo, como o Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Maracanã ou a Baía de Guanabara. O Rio de Janeiro é “predestinado”... possui uma variedade enorme de paisagens naturais ou criadas pelo homem, todas incorporadas na cidade, cuja as imagens viajam o mundo e refletem o espelho do que é o Brasil.
O Rio é a cidade do “samba, do futebol e das belas mulheres” que desfilam por Copacabana, “a princesinha do mar”. O Rio é a cidade em que as favelas estão integradas ao asfalto, onde os moradores das favelas também chamadas de “comunidade” vivem no tom de sua malandragem e que no final das contas vão levando a vida com felicidade. O Rio, agora é uma cidade olímpica, aliás a primeira cidade olímpica da América do Sul, causando inveja a São Paulo e aos hermanos de Buenos Aires.
Novamente refaço a pergunta sobre o Rio de Janeiro, a cidade é maravilhosa para quem? ... Junto com as belezas da cidade, temos as contradições que parecem dividir o espaço da cidade em espaços formais e informais, criando uma fenda social que divide a cidade em grupos de classes. Áreas de ricos, localidades de classe média, e favelas. A ação social de Estado acaba sendo tripartite, baseada em cada um dos três segmentos socioeconômicos encontrados na urbe. Nessa lógica, emergem diferentes níveis de qualidade de vida, refletidas no antagonismo entre pobreza e riqueza.
Essas contradições ganham mais intensidade quando vivemos ou sobrevivemos nas áreas marginalizadas, onde o Estado não chega com os serviços públicos necessários, e se faz presente sobretudo através de seu braço armado, a polícia. Nessas áreas em que sobrevivemos, encontramos uma vasta gama de problemas; fome, miséria, habitações precárias, violência (do tráfico e da polícia), falta de luz, de água, poluição, escolas precárias, enfim, uma quantidade de dificuldades para se viver que nos diferencia de outros grupos sociais que compõem a “cidade maravilhosa”.
Cabe ressaltar, que além de todos esses impasses citados anteriormente há também a violência ideológica que faz uso do preconceito e acaba avançando para o racismo. Os habitantes que residem em áreas de informalidade, vulgo favela, sofrem diariamente com os sintomas do binômio preconceito/racismo. Exemplos não nos falta, basta lembrar dos verões, quando ocorrem blitz nas proximidades da orla da zona sul tentando evitar a presença de “favelados” nas praias, ou nos estereótipos veiculados pelas mídias e reproduzidos por agentes do Estado do tipo: “a mulher da favela é fábrica de bandidos”. Envolvendo todas essas informações sobre a cidade do Rio de Janeiro, novamente volto a perguntar, a cidade é maravilhosa para quem? Pois não vejo essas maravilhas onde moro, aliás, as vezes penso que moro em outra dimensão da cidade, a dimensão da invisibilidade.

Por Luiz Lourenço (Morador do Complexo da Maré)

quinta-feira, 30 de julho de 2015

UPP, Capital e Poder


O que é a militarização? O que é UPP? Para que serve a Unidade de Polícia Pacificadora? O que está por trás da suposta libertação dos territórios das mãos do tráfico de drogas? ...Inicialmente, parecem ser perguntas fáceis a serem respondidas pelos moradores das favelas, os mesmos irão indicar como finalidade central e censo comum “livrar a favela das mãos do crime organizado”, mas será essa a razão dessas estruturas policiais?
Para entender o desenvolvimento dessa “política de segurança”, precisamos tomar ciência de alguns dados importantes. Desde a crise de 2008 o capital internacional tem tido a necessidade de desenvolver novas fontes de lucro para manterem seu ciclo acumulativo funcionando em condições de normalidade. Nesse novo diagrama do capital global, nossa “cidade maravilhosa” se propõe a competir com as grandes capitais globais, passando por um processo de transformação física/social amparada pela ordem econômica.
Nesse contexto de novas fontes de lucros, as favelas começam a se consolidarem como um novo nicho de acumulação de capital. Segundo dados do Instituto Data Popular, as favelas do Rio de Janeiro movimentam por ano 13 bilhões de reais. Com um volume de capital envolvido tão grande, a entrada de “ordem” nas favelas demonstra claramente os interesses econômicos envolvidos por trás da suposta “paz” nas favelas. É importante ressaltar que essas transformações abrangem várias ações do cotidiano dos favelados, desde a prática mais simples até as mais complexas. Uma das características mais comuns dos favelados são as “festas”, porém, com a entrada das UPPs esse tipo de interação social passa a ser controlado pelo Estado através da ação policial. Autorizações para festas passam a ser necessárias, desde eventos mais comerciais como shows e bailes até a festa mais simples envolvendo familiares...e o mais preocupante, as festas passam a ser selecionadas, as comemorações tradicionais ficam a margem dando lugar a inserção de nova cultura, apagando o perfil cultural do lugar.
            No arranjo espacial da favela também notamos transformações intimamente ligadas a ação do capital. Com a difusão da globalização, todos os espaços possíveis precisam estar capitalizados e prontos para serem utilizados quando houver a necessidade (demanda). Dessa forma, serviços antes presentes apenas em áreas com considerável poder aquisitivo da cidade passam a adentrar nas favelas e passamos a observar estabelecimentos de todos os tipos suprindo as necessidades mínimas dos habitantes, e reduzindo a movimentação dos habitantes das comunidades a áreas circunscritas ao perímetro da favela. Dessa forma, o capital e o Estado isolam os residentes das favelas em seus guetos minimizando assim a convivência entre as classes.
Pelo viés social, podemos questionar a ação do aparato repressivo do Estado, desrespeitando os moradores de favelas e muitas vezes fazendo uso de dispositivos jurídicos para dar vós de prisão a qualquer um que levante questionamentos sobre o modo de atuação da polícia. Dessa forma, é feita uma política de atuação nas favelas que não dialoga com os favelados, e não leva em conta as pluralidades existentes nas variadas favelas do Rio de Janeiro e que torna, pela perspectiva da construção da ação de cima para baixo; o Complexo da Maré igual ao Alemão, igual ao Complexo de Acari, igual a Rocinha e tantas outras favelas na “cidade maravilhosa”. Ou seja, em uma última análise, a mesma ação irá servir em todos os espaços marginais que precisam ser “recuperados” pelo Estado. A convivência entre favelados e policiais historicamente não é das mais positivas e com o modo de operação atual dos agentes da lei a situação tende a potencializar as animosidades existentes entre os agentes de polícia e os favelados.
A atual situação do conjunto de favelas do Complexo da Maré, mostra-se um exemplo emblemático das ações ministradas pelo Estado para desenvolver os interesses relacionados ao capital. A utilização do exército no Complexo da Maré (estrutura de segurança a nível nacional e voltado para a defesa externa do país) como agente policiador, demonstra a materialização do Estado de exceção na Maré. A simples ronda dos soldados, fazendo uso de tanques e outros carros de guerra intimida os residentes e incuti neles o respeito a ordem que lhes é imposta de fora. Questionamentos se transformam em sinônimos de desrespeito e passíveis de ações truculentas pelos agentes militares. Revistas em crianças, utilização de bombas de gás lacrimogêneos em becos e vielas estreitas, fechamento de acesso a ruas a partir de certo horários, configura-se na Maré um território experimental da dinâmica do Estado de exceção. Levando em conta que o Rio de Janeiro é um expoente de nível internacional das incursões militarizadas, e que “nossos” padrões de operações especiais militares são exportados, sobretudo “graças” as ações da Polícia Militar do Estado Rio de Janeiro e da Bope, não será surpresa sermos considerados um dos territórios onde o controle se dá de maneira mais efetiva.

Por ser uma cidade global e ser sede de grandes eventos internacionais desde o início da segunda década dos anos 2000, o Rio de Janeiro precisa manter os espaços marginais sob controle para que a roda do capital possa girar sem percalços. A partir dessa premissa, a supressão de qualquer tipo de oposição ao status quo escolhido pelo mercado, torna-se condição sine qua non para que se realize as previsões mercadológicas dos agentes privados e públicos. Diluídos entre si, o binômio público e privado atua sobre a perspectiva de que “a cidade é como um jogo de cartas”. Nessa lógica, as três características das cartas do baralho: os números, figuras, e naipes, apresentam-se nos planejamentos urbanos de diferentes formas; os números representam as variadas possibilidades de interferir no espaço urbano, as figuras são os agentes interventores do espaço urbano (agentes públicos, agentes privados, população, movimentos sociais) e os naipes são as regras utilizadas nos embates pela confecção do espaço urbano. Cabe ressaltar, que nessa dinâmica a preponderância dos entes públicos/privados põe a margem a participação da população e por deter os conhecimentos das leis (regras do jogo) fazem suas articulações para potencializar as demandas do capital, e quando necessário, viola as regras ou molda-as a seu dispor e assim institui o Estado de exceção. Sendo essas ações em diferentes âmbitos, em forma de macroescala, mesoescala e microescala.

 Em suma, a militarização e a criação das UPPs são um amplo projeto que visa manter as relações de poder existentes nas favelas há pelo menos um século, ou seja desde o surgimento das primeiras favelas do Rio de Janeiro, ainda capital federal. E no diagrama de atuações embasadas pelo tripé político-econômico-social, observamos claramente as relações e necessidades para que o capital venha manter seu status quo como grande ator econômico, máximo dirigente político, e principal regulador social.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Maré: Entre o global e o local quem sofre é o morador

O conjunto de favelas do Complexo da Maré atualmente vem passando por um processo de ocupação/militarização sem precedentes na história da cidade do Rio de Janeiro. Tanques de guerra, barricadas, blitz, são algumas das formas de controle utilizadas pelos militares para garantir a suposta segurança dos residentes locais.

Para entender esse contexto de zona de guerra na Maré, é preciso remeter o olhar para além da jurisdição municipal, estadual e federal. Faz-se necessário usar um telescópio capaz de enxergar o âmbito global, cuja conjuntura internacional selecionou a "cidade maravilhosa como a metrópole de convergência do capital. Uma vez escolhida essa condição, espaços periféricos como a Maré, serão alvos de diversas ações atuantes em segmentos diversificados.

O processo de globalização tão decantado aos quatro cantos do mundo, permitiu que a Maré fosse um exemplar da relação "global x local", onde necessidades globais reconfiguram o cotidiano local. Por sua posição espacial estratégica, onde há um entroncamento das principais vias de acesso a cidade, tornou-se necessário garantir o ir e vir dos cidadãos da "cidade formal", aqueles que precisam da mobilidade que ligue o aeroporto as áreas nobres da cidade, cujo trajeto perpassa pelo Complexo de Favelas da Maré. Então percebemos, que a tal "pacificação" irá garantir a paz, para quem passa pelas vias do entorno da Maré, sobretudo, se você for um turista, assim sendo, a necessidade de turistas principalmente nos momentos de realização de grandes eventos como foi a Copa do Mundo de 2014 e com maior intensidade quando for as Olímpiadas de 2016 é a grande preocupação de nossos governantes...

Mas e os moradores da Maré?

Para os Moradores da Maré, que segundo dados do Censo Maré são 136 mil habitantes, resta apenas a insegurança de saber que terão que sair na rua para realizar suas tarefas diárias, e que essa ação pode lhe custar a vida, caso ecloda em algum momento um confronto envolvendo militares e traficantes. E que o ir e vir nas ruas por mais seja rápido será carregado de temor, medo, pavor, pânico ou qualquer outro adjetivo próximo dessa sensação de que posso ser alvejado por uma bala perdida ou achada a qualquer momento, quando jogo futebol, quando vou a uma festa, quando vou a escola, quando realizo qualquer atividade que tenha que sair as ruas, tomadas por soldados, tanques, jipes, armas, etc. 


Tem sido frequentes os casos de pessoas baleadas ou mortas pela troca de tiros entre militares e traficantes. É inadmissível que operações militares sejam realizadas nos horários em que estudantes e trabalhadores estejam saindo de suas casas para efetuar suas tarefas, aliás é inadmissível que tanques de guerra sejam utilizados para bloquear a passagem das ruas, evitando que moradores circulem em determinados locais. A utilização de táticas de intimidação também tem sido frequentes nas operações militares... pois ser parado por quarenta militares é uma violência simbólica muito forte, sendo recorrente, gera um alto grau de tensionamento que acaba resultando em duas possibilidades; um problema de saúde, ou o enfrentamento para com os militares através de posturas mais rígidas por parte dos transeuntes que muitas vezes acabam sendo acusados de desacato a autoridade e em alguns casos são julgados em tribunal militar sem direito a defesa.

E o capital...

O Estado atua como o grande agente difusor do capital. As favelas tem sido um novo nicho de atuação do capitalismo, nessa configuração, a Maré emerge como um ótimo espaço de fluxos de capital. Atualmente, é possível viver dentro da Maré e usufruir de todos os serviços de vivência mínimos. Caixas eletrônicos, loteria, casa de show, lojas de informáticas, de roupas, restaurantes, Museu, etc. Existem uma série de segmentos onde o capital pode atuar criando novos serviços ou retirando das mãos da informalidade alguns serviços tv a cabo, internet. Cabe ressaltar, que durante o processo de ocupação, algumas empresas de telecomunicações entraram na Maré no mesmo dia que se iniciou a ocupação, ou seja, as empresas não esperaram a consolidação do processo de ocupação e tiveram a informação exata de datas e a garantia por parte do Estado, de que poderiam iniciar suas atividades em consonância com o processo de ocupação.

Dessa forma, o Estado rearticula a economia da favela a partir do processo de militarização, dando ao capital novas áreas de lucratividade até então latentes. Fica no ar a pergunta, o Estado é quem rearticula o capital e sua atuação na favela, ou é o capital que controla as ações do Estado nos espaços marginalizados da cidade como o Complexo de Favelas da Maré



segunda-feira, 27 de abril de 2015

A urbanidade e os indígenas

Qual a relação existente entre a urbanidade e os indígenas?... Um índio da Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, expõe suas percepções de mundo a partir de uma análise capitalista/colonialista onde questiona o conceito de urbanidade e seus reflexos na sociedade, assim como a exclusão da única matriz étnica brasileira nativa da vivência no cotidiano da urbe.